quinta-feira, novembro 13, 2008

em entrevista... DANIEL CARDOSO

Produtor e músico de créditos firmados no panorama metálico nacional, Daniel Cardoso surge associado a nomes como Sirius, Heavenwood, Head Control System, Oblique Rain, entre muitos outros. Perante a sua crescente importância no actual momento da música independente portuguesa quisémos falar sobre os seus projectos, visões e ambições.
O teu trabalho vem provar que é possível construir um nome e uma reputação em Portugal na área da produção. Concordas?

Não é inédito existir um nome sonante ou uma reputação na área da produção em Portugal. Creio no entanto que o meu nome e a minha reputação se estendem para fora dessa área. Para já aquilo que posso provar é que é possível fazer face à crise e ao caos da indústria musical actual se o trabalho que se apresenta for competente. Se estivéssemos há 10 anos atrás, os Ultrasoundstudios, com o nome que têm actualmente e o número de bandas com que temos trabalhado, já me teriam comprado um Porsche. Para já terei que esperar....

O que te levou a investir na área da produção e num estúdio próprio? Foi um investimento ganho?

Investi inicialmente como músico, ou seja, quis criar uma forma de poder exteriorizar a minha música da forma mais profissional possível sem ter que depender de ninguém. E o facto de ter uma margem de manobra financeira muito reduzida fez com que começasse com pouco e fosse ampliando gradualmente. Isso ensinou-me a obter os melhores resultados do mínimo material possível. Hoje em dia quem me diz "aquele estúdio tem material como o caraças" bem me pode dizer "esta cebola está podre" que para mim é igual. O material para mim é extremamente secundário. Produzi alguns trabalhos, que foram eventualmente editados, no meu próprio apartamento com quase nada. O reconhecimento que veio a partir daí fez-me investir num local dedicado com material melhor. Mas o rider técnico actual dos Ultrasoundstudios não impressiona ninguém. Quanto ao investimento, ainda o estou a pagar. Na verdade embora não pareça sou um péssimo gerente. Tenho muita tendência para a vida do rock n' roll...Não é fácil. Tenho mesmo que ser bom para ir aguentando o barco, é o que me vale.

Achas que a tendência das bandas em escolherem determinado produtor para trabalharem pode conhecer ciclos? Lembro-me por exemplo que a determinada altura inúmeras bandas recorriam ao Peter Tagtren, ao Mika Jussila ou ao Waldemar Sorychta, entre outros, e que de um momento para o outro deixaram de ser tão solicitados. Isso preocupa-te?

Sim, pode ser cíclico. Mas sou muito pragmático em relação a e isso e acho que o fim de um ciclo que determina que o estúdio da moda agora é o X é apenas consequência de Y estar a fazer um melhor ou mais actual trabalho. De certa forma terei pena se um dia aparecer alguém a fazer um trabalho melhor que o meu mas será apenas culpa ou incapacidade minha. O melhor que posso fazer, é continuar a garantir que faço o melhor.

Pretendes expandir o teu nome a nível internacional e atrair bandas ao nosso país para gravarem nos Ultrasound? Achas essa hipótese possível?

Esse processo de internacionalização já se iniciou no passado, essencialmente como músico. Em relação aos USS, tivemos este ano dois trabalhos para o estrangeiro, um para a Grécia outro para os Estados Unidos e vários pedidos de orçamento. É bem provável que vão surgindo mais. Projecção internacional não só é uma hipótese possível, como neste momento é uma realidade.

Quanto à tua actividade como músico, tens colaborado com várias bandas. Fazes realmente parte de alguma como elemento permanente?

Sim, faço parte Oblique Rain e, claro, de Head Control System. Sinto-me parte também de Heavenwood, embora não seja um membro oficial. Gosto muito do convívio, do ambiente e do som.

Qual o trabalho mais aliciante que te passou pelas mãos enquanto produtor? E enquanto músico?

Head Control System enquanto ambos.

Que bandas mais gostarias de produzir no teu estúdio? E com as quais sonhas tocar um dia?

Eu gosto de produzir tudo o que tiver qualidade. Mas gostava de trabalhar com mais estilos para além do metal. Além de ser extremamente didáctico é também bom para descansar os ouvidos de tanta pressão sonora. O mesmo diria como músico...Não sou um gajo do jazz, mas não me importava nada de fazer uma tour com algum artista pop bem mainstream. Só que estou tão enraizado neste submundo que não sei se iria respirar fora dele. Mas não tenho qualquer preconceito. Felizmente na música aquilo que não me compensar apenas pelo prazer, agora compensa-me financeiramente. É a vantagem ou desvantagem de ser um profissional do meio.



Achas que o Ultrasound veio um pouco ocupar o lugar dos Rec’n’Roll enquanto o principal estúdio de gravação de trabalhos ligados ao metal em Portugal?

Bem, eu cresci a ouvir falar no nome Rec n' Roll. Era um estúdio de referência na altura. Imaginar que dez anos depois possa haver miudos que cresçam a ver nos USS uma referência é animador. Espero não estar a ocupar o lugar de ninguém. Não estou aqui para competir com ninguém. estou aqui para fazer o melhor possível. Se isso for fazer melhor do que alguém, diria "azar".

Estás ligado ao metal português e à música alternativa em geral há largos anos. Como tens visto a sua evolução? É hoje mais fácil editar um disco e obter algum reconhecimento?

Não, hoje tudo é mais difícil. Seja editar ou fazer-se notar no meio do turbilhão de bandas que existem actualmente. Na indústria está tudo muito negro. Mas as bandas estão a evoluir. Isso noto claramente. Fui surpreendido pela qualidade com que alguns trabalhos me vieram parar ás mãos. Surpreendente também é ver grande parte dos álbuns Ultrasound a conseguirem contratos discográficos com boas editoras, incluindo algumas internacionalizações. Suponho que apesar de tudo estejamos a fazer um bom trabalho.

Como está a tua agenda enquanto produtor e músico para os próximos meses?

Está ocupada. É sinal que apesar da crise as pessoas procuram bons trabalhos, mesmo que tenham que arranjar forma de os pagar. Também não há espaço para falsas modéstias na minha agenda.

Não resisto em tocar no assunto Sirius. Sendo tu um dos principais mentores dessa banda, o que se passou realmente para um final tão abrupto? Ficou alguma frustração no sentido de que poderiam ter construído uma carreira respeitosa a nível internacional? Todos os indícios levavam a que isso acontecesse…

Pois, não te posso esclarecer muito acerca disso. Eu sai da banda antes do seu fim, portanto nem eu sei ao certo o que se passou. Mas diria que simplesmente as pessoas que ficaram não souberam gerir as suas carreiras e aquilo que me foi dado a conhecer é que os elementos foram saindo a conta-gotas, o que já não era um processo estranho dentro do seio da banda. Mesmo com todo o tipo de transições na minha vida, fui o único elemento de SiriuS que se manteve realmente activo ao longo dos tempos ou cuja carreira musical foi realmente ascendente. Houve também Re:aktor mas tanto a banda como o seu criador estão desaparecidos em combate.

A exemplo dos Heavenwood, existe a possibilidade de os Sirius regressarem com um novo disco?

Sim, pelo que percebi existe essa hipótese e fui eventualmente assediado nesse sentido por um dos elementos fundadores da banda. Mas se por um lado não é de todo impossível voltar a haver uma reunião de SiriuS, por outro lado dificilmente acontecerá comigo na banda. Estarei no entanto disponível para produzir o álbum ou ser contratado como membro de sessão. Há que dar currículo aos patrocinadores...

Julgo que os teus gostos musicais tenham mudado bastante ao longo dos últimos anos. Que discos tens neste momento junto à aparelhagem ou no rádio do carro?

Ando menos de carro agora. Tenho um jipe que a beber pensa que é um camelo. Além disso estou com a carta apreendida. É a tal vida do rock...Em casa não oiço tanta música como antes, passo o dia a levar com música no estúdio, portanto vejo uns filmes, uns cartoons dementes ou então faço amor por trás. Mas se tiver que mencionar uma banda que ainda vou ouvindo, diria The Mars Volta. Gosto bastante, são mesmo diferentes.

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