sábado, outubro 19, 2013

Heterogeneidade Qualidade Personalidade

De gosto musical eclético e refinado, Gonçalo Cunha acolheu-nos calorosamente no seio de uma colecção na qual discos que constituíram a base de géneros musicais e se tornaram clássicos intemporais se cruzam com obras que em 2012 procuram ainda criar algo novo e original. Dono de uma mente aberta pouco comum, Gonçalo não renega as suas origens, mas recusa  manter-se agarrado ao passado, procurando evoluir e adaptar o seu gosto musical a sonoridades desafiantes e inovadoras. Em discurso directo, esclarecido e apaixonado,  Gonçalo Cunha.


CARTÃO DO MELÓMANO


Nome: Gonçalo Cunha
Idade: Nasci 10 dias depois do Homem pisar a lua.
Coleccionador há: Desde 1982.
Coração de: Metal e derivados/Jazz-Rock/Electrónica/Prog/Avant-Garde/Etc.
Primeiro Disco: Street Kids – “Trauma”
Último Disco:  Foram 4: últimos de Cynic, Jeff Loomis e OSI e um promo de David Bowie. Quando terminar esta entrevista já espero que sejam outros! (risos)
Sonho todos os dias com: Hum...difícil, porque são vários. Assim de repente, lembro-me da demo-CD de Virus “Demo 2000”, limitada a 72 cópias.



O INÍCIO…


Qual o teu primeiro contacto com a música?
Sempre se ouviu muita música em casa dos meus pais, portanto posso dizer desde sempre. Tendo consciência de algo que me tenha mesmo despertado e aguçado o apetite, diria que para aí em 76/77. Vantagens de ter irmãos mais velhos!

No inico houve alguém que te influenciou ou foste tu próprio que ganhaste este gosto especial de ouvir música?
Seguindo a lógica da minha resposta anterior, o meu irmão mais velho. Ainda me lembro concretamente do principal catalisador: o fabuloso álbum ao vivo dos Led Zeppelin – “The Song Remains The Same”.

E o teu primeiro disco, como foi essa memória e o que representou na altura?
Lembro-me do 1º disco LP que comprei, mas antes disso ainda houve alguns 7 polegadas. Mas lembro-me de me sentir “importante”.  De já jogar na 1ª divisão, por assim dizer! E claro, explorei a música, o artwork e as letras ao máximo. Ouvi-o incessantemente durante dias.

Ainda tens esse disco?
Não.


A PAIXÃO…

O modo como vês e sentes a música mudou muito ao longo dos tempos?
Sim. Acaba por ser inevitável. No início há aquela magia, o descobrir de um mundo novo, o explorar, como disse anteriormente, de todos os mais infímos detalhes da obra. Á medida que os anos vão passando e essa “ingenuidade” se desvanece, esse sentimento perde-se um pouco. O fácil acesso que temos à música hoje em dia, ao contrário do que acontecia quando comecei nestas lides, também pesa nessa equação. Aliando tudo isto aos problemas e falta de tempo da idade adulta, acaba por ser fatal. Mas ainda hoje, quando recebo um CD em casa, continua a haver aquele ritual de abrir a embalagem, o plástico (se vier selado), prescrutar todo o artwork, cheirar (risos) e, por fim, dedicar-lhe várias audições.

Actualmente és um dos moderadores do Fórum Metal Underground. Como encaras o crescimento e a importância que esse fórum tem vindo a assumir enquanto ponto de reunião da comunidade metaleira em Portugal?
Cheguei ao fórum em 2007. Nestes 5 anos tenho reparado, com muita pena minha, no afastamente de muitos MUsers dinamizadores do espaço, sem desprimor para os utilizadores que chegaram entretanto ou os que continuam por lá. Não te consigo dizer ao certo a importância do fórum porque convivo muito pouco com o pessoal da “cena”, por assim dizer. Igualmente vou a poucos concertos, local por excelência onde se pode observar a dita comunidade. Estou um bocado limitado na minha análise.

Ao longo dos anos que tens estado ligado e acompanhado o fórum Metal Underground, sentes que a dita “geração MP3” tem vindo cada vez mais a apoderar-se desse espaço e que começa a ser raro encontrar por lá quem realmente estabeleça uma relação mais física e passional com a música?
Absolutamente! É com muita pena que observo isso. Mas confesso que também não os posso censurar. É uma geração díspar da minha, com valores culturais inevitavelmente diferentes. Se tivesse nascido 20 anos mais tarde, em que tudo está à distância de um clique, provavelmente teria a mesma atitude. Quero acreditar que não, mas não poria as mãos no fogo! Obviamente que a situação económica em que vivemos, também potencia essa postura. A oferta também é muito grande, e tudo se descarta com a maior das facilidades. Felizmente que ainda há alguns sobreviventes que valorizam mais o ocupar de uma prateleira do que o ocupar de um disco de computador. Um grande bem-haja para essa raça em vias de extinção!

Como é que as pessoas que te rodeiam e que conhecem esta tua paixão vêem o facto de teres tantos discos e itens relacionados com música?
Por acaso não tenho sofrido a discriminação de ser o lunático que ainda “esbanja” dinheiro em música. Talvez porque os amigos que tenho são de longa data, da mesma geração que eu, e que se identificam com este relacionamente que tenho com a música. Mas também há aqueles não conseguem entender o conceito de continuar a pagar por algo que hoje se pode adquirir gratuitamente. Mas, tal como referi, para mim, uma obra discográfica é muito mais do que os sons que emanam dum par de colunas.

Compras um disco e quando chegas a casa qual é o teu ritual?
Já abordei esta questão mais acima mas acrescento que há sempre aquele sentimento de preenchimento. É saber que temos algo palpável, eterno, que ocupa volume, que tem cheiro. Confesso que sou um pouco maníaco-obsessivo com os meus CDs e vinis. Manuseio-os com o maior dos cuidados, retiro o plástico, recorto o autocolante (se tiver) e guardo-o, observo o artwork – leio tudo, desde as especificações técnicas até aos agradecimentos. No fundo, é uma peça de arte, não só pelo seu conteúdo sonoro, mas também pelo packaging. É como ter um quadro com uma bela moldura. Usando esta analogia e para aqueles que acham que somos loucos, observar um quadro num computador ou num museu são experiências completamente diferentes!

Tens algum cuidado em especial que queiras partilhar sobre limpeza e conservação dos discos?
Sempre tive o máximo cuidado no manuseamento dos meus discos. Por ser da geração vinil e saber que poderiam sofrer danos irreversíveis se maltratados, sempre me habituei a não deixar dedadas, a arrumá-los nas suas respectivas paper sleeves, etc. Depois, transferi todos esses cuidados para os CDs, aquando da sua proliferação. O vinil que mantenho há mais anos (Iron Maiden – Live After Death), desde 1985, continua impecável. Sei disso porque ainda há dias o ouvi. O mesmo se passa com os CDs. Continuam tão brilhantes que por vezes uso-os como espelho quando faço a barba! Just kidding! No caso de comprar algum vinil em 2ª mão que não esteja em perfeitas condições, o método que uso é o lavar o vinil com água morna e com uma esponja bastante macia. Depois de bem seco, as diferenças são notórias.

De que forma organizas e arquivas a tua colecção?
Tenho tudo arrumado por ordem alfabética e cronológica. Quando compro um CD começado pela letra A, por exemplo, é sempre uma trabalheira para arrumá-lo no respectivo sítio. Mas lá está, faz parte do ritual. Depois há também as listas em Word e Excel e o registar online no site www.discogs.com.

Quantos discos tens no total, considerando todos os formatos físicos?
Diria cerca de 1300/1400. Devido a problemas de espaço, de vez em quando dou uma volta pela discografia e vendo/troco algumas coisas que já pouco me dizem.

Qual é o item ou os itens que mais destacarias da tua colecção seja pelo afecto que representa, seja pelo próprio valor comercial ou em termos de raridade?
Um dos que me vem de imediato à cabeça, será o 1º Mini LP dos Mercyful Fate. O 1º Digipak que tive, a espectacular edição do “Arise” de Sepultura. Também tenho a edição desse álbum, versão Rough Mix, editada para coincidir com a actuação deles no Rock In Rio, em 1991. Alguns CDs nacionais, como o caso do “Vast” dos Disaffected e o “Abstract Divinity” dos Thormenthor, bem como o 7” “Dissolved In Absurd”, destes últimos. O “Blessing In Disguise” dos Metal Church, por ter sido o 1º CD que comprei, em 1989, e que ainda tenho. Uma box do “Crack The Skye”, dos Mastodon. Boxes de Metallica, Slayer, The Dillinger Escape Plan, Fear Factory, Jane’s Addiction, Porcupine Tree, The Prodigy, Nirvana, Pantera, Cynic...E é melhor ficar por aqui, porque todos eles têm o seu quê de preciosidade e valor sentimental.

Alguma vez perdeste a cabeça a nível monetário na aquisição de um disco? Qual o valor que gastaste?
Sim, algumas vezes! Geralmente, os itens que ficam mais caros são as caixas de colecção. Como tento sempre adquirir a melhor edição possível, acaba por acontecer algumas vezes. Também tenho uma predilecção pelas edições japonesas, que atingem preços por vezes proibitivos. O CD “normal” mais caro que tenho é uma edição japonesa do “Chaosphere”, de Meshuggah.

Tens alguma banda em particular que tentas ter, não só os álbuns oficiais, mas também singles, ep´s, maxis e bootlegs?
Bootlegs estão fora de questão. Nunca me seduziram, sinceramente. Acho que tenho apenas um bootleg e devido ao facto de conter gravações oficiais. No geral, tento adquirir os Eps, singles, etc. de todas as bandas que gosto. Há muitas pérolas escondidas em lados B de singles ou em EPs. Este gosto começou em 1982, quando um vizinho meu me emprestou o single do “Run To The Hills”. Lembro-me de ouvir o lado B, que contém a Total Eclipse e de ter gostado mais do que o lado A! Lembro-me do meu vizinho me dizer que nunca tinha ouvido o lado B!

Em média, quantos discos compras por mês?
Depende do que vai saindo e do que vou encontrando. Posso-te dizer que a média deste ano até agora é de 7 discos por mês.

Onde costumas adquirir os teus discos?
Maioritariamente online. Diria que ronda os 90%. Lojas físicas (ainda existem?), na FNAC e muito esporadicamente na Carbono. Como faço a minha vida fora de Lisboa, pura e simplesmente não há lojas físicas por onde me movimento.

Qual o local mais improvável onde adquiriste discos?
Sinceramente, não estou a ver nenhum local improvável.

A(s) melhor (es) aquisição (ões) de sempre, aquele dia glorioso em que voltamos para casa ainda a nos beliscar se realmente aconteceu?
Assim de repente, lembro-me de ter adquirido os picture discs “Tragic Serenades” (Celtic Frost) e “Live Undead” (Slayer), ambos por 500$00, na Feira da Ladra e ambos em mint condition! Fiquei verdadeiramente feliz pelo achado. Mas já me aconteceram mais situações do género ao longo desta vida de coleccionador.
Qual é o teu Top dos melhores discos de sempre, aqueles que independentemente do género aconselhas todos a ouvir antes de morrermos pelo menos uma vez?
Mais uma pergunta dificílima! Escolho os seguintes, tanto pelo impacto que tiveram em mim, como pelo impacto que alguns deles tiveram igualmente na música num sentido mais lato. Tenho a certeza de que se fosse responder a esta questão amanhã, a escolha seria diferente. Mas aqui vai:
Arcturus – La Masquerade Infernale;
Celtic Frost – Into The Pandemonium;
Coprofago – Unorthodox Creative Criteria;
Coroner – Grin;
Cynic – Focus;
Dødheimsgard – 666 International;
David Bowie – Earthling;
The Dillinger Escape Plan – Calculating Infinity;
Fântomas – S/T;
Fates Warning – The Spectre Within e Awaken The Guardian;
Fear Factory – Demanufacture;
Fredrik Thordendal’s Special Defects – Sol Niger Within;
Gojira – From Mars To Sirius;
Jane’s Addiction – Ritual De Lo Habitual;
King Crimson – In The Court Of The Crimson King;
Led Zeppelin – The Song Remains The Same;
Massive Attack – 100th Window;
Mayhem – Grand Declaration Of War;
Mekong Delta – Dances Of Death e Wanderer On The Edge Of Time;
Meshuggah – Destroy Erase Improve;
Metallica – Master Of Puppets;
Naked City – Torture Garden;
Pink Floyd – The Dark Side Of The Moon e The Final Cut;
Porcupine Tree – Fear Of A Blank Planet;
Sepultura – Beneath The Remains;
Shining – Blackjazz;
Slayer – Reign In Blood e Hell Awaits;
S.O.D. – Speak English Or Die;
Strapping Young Lad – City;
Supuration – The Cube;
Tiamat – Wildhoney;
Type O Negative – Bloody Kisses;
Virus – Carheart;
Watchtower – Control And Resistance;
The Young Gods – Only Heaven;
Zu – Carboniferous.


PREFERÊNCIAS…

Vinil, CD ou Cassete?
CD. Sei que alguns puristas repudiarão esta minha opção, mas é tão mais cómodo! (risos)

Vinil preto ou colorido?
Ambos!

Picture Disc ou 180gramas?
Em termos de qualidade sonora, 180gr. Em termos de beleza visual, Picture Disc.

Gatefold ou capa Simples?

Gatefold. Quanto mais, melhor!

Formato 12” , 10” ou 7”?
Todos têm os seus encantos. Os 12” levam mais música, os 10” é aquele formato mais exótico, o 7” porque é catita!

Jewelcase ou Digipack?
De longe, Digipak! Também pode ser Digibook. Também me perco pelos promos em cardboard sleeve.

Primeira prensagem ou reedição luxuosa?
Reedição luxuosa. Houve algumas primeiras edições em CD que foram verdadeiras aberrações.

Lojas físicas ou Internet?
Infelizmente, Internet. Pelas razões que apontei mais acima.

Saída de Áudio

E para ouvires os teus discos, que artilharia pesada utilizas?
Prato Rega Planar II, Leitor de CDs Rega Planet, colunas Mission, amplificador da Technics, auscultadores da Senheiser. Ainda tenho deck mas está guardado. É um Aiwa.

Tens o teu lado audiófilo ao nível do HI-Fi ou apenas gostas de ouvir musica desde que soe bem sem te preocupares muito com a busca do som ideal?
Procurei adquirir equipamento razoável mas não me preocupo muito com essas questões mais técnicas.

Há algum instrumento que te cative mais quando estás a ouvir musica?
Gosto imenso de bateria. Talvez por eu ser completamente descordenado, admiro muito o trabalho de um bom baterista. Curiosamente, ao que ligo menos é à voz.

Tocas ou gostarias de aprender a tocar algum instrumento?
Já tive a minha fase em que tinha a mania que cantava. Quanto a instrumentos, nunca me consegui adaptar a nenhum. Acho que me falta o gene da destreza. Felizmente, tenho o da audição.

AO VIVO…

Primeiro Concerto?
Acho que foi Tarantula, no mítico Rock Rendez Vous, em 1986. O primeiro concerto internacional foi Iron Maiden, no Dramático de Cascais, no mesmo ano. Foi uma experiência mágica. Eu e os meus amigos andámos a falar desse concerto durante meses e meses. Até ir ao segundo, que foi Motörhead, Girlschool e Destruction. Os Destruction ainda consideram esse concerto como um dos top 3 da sua carreira.

Melhor concerto de sempre?
Díficil. Mais uma vez, não me consigo abster de divagar para além de O tal concerto. O 1º de Iron Maiden por ter sido isso mesmo, o 1º. O de Slayer no Dramático de Cascais, na tour do “Divine Intervention”. Ir ver a Barcelona, em 1990, a Clash Of The Titans Tour (Slayer/Megadeth/Testament/Suicidal Tendencies), com mais 3 amigos, e pela aventura que foi. Um deles ficou logo na fronteira, por não levar identificação. Os outros dois por pouco não ficaram, por não terem levado a caderneta militar. Outros tempos. Tiamat no Pavilhão Carlos Lopes, em 1995. Death na Incrível Almadense, em 1995. Nirvana no Dramático, em 1994. Faith No More no Campo Pequeno, em 1993. Meshuggah no Vagos, em 2010. Zu, na Galeria Zé dos Bois. Mas aquele que mantém até hoje o lugar mais alto do pódio foi o concerto de Naked City na Aula Magna, em 1990 (?). Mesmo sabendo ao que ia, não estava preparado para ver algo tão bombástico, à falta de melhor adjectivo. Simplesmente genial!

Concerto de sonho?
Essa é fácil, mas é mesmo um sonho: ver o Fredrik Thordendal tocar o seu álbum a solo na íntegra. Mais exequível será ver os Shining (NOR). Alguém que os traga cá, por favor!

Que banda gostarias de ver ao vivo e que já não vai ser possível?
Celtic Frost.


LITERATURA…

Tens por hábito comprar livros, revistas ou fanzines de música? Qual a tua publicação favorita?
Não tenho esse hábito nem nunca tive. Uma das poucas revistas que comprava há muitos anos era a Metal Forces.

O que lês neste momento e o que aconselhas?
 “Only Death Is Real”, uma biografia dos Hellhammer e primeiros tempos dos Celtic Frost. Já comprei este livro há bastante tempo mas só agora tive tempo para lhe pegar.

Tenta definir o que te vai na alma por escrito sobre esta nossa paixão? (últimas palavras, tema livre fala do que quiseres)
Sou péssimo a descrever estados de alma. (risos) Prefiro agradecer o facto de me terem dado a oportunidade de falar um pouco da minha humilde colecção e desta paixão que nos é comum. Endereço aqui também votos aos “sacadores” profissionais que, pelo menos, de vez em quando, comprem material às bandas. É o seu meio de subsistência e se quereremos que continuem a divulgar a sua arte, há que apoiá-los de alguma maneira! Depois não se admirem que as bandas dêem por terminadas as suas carreiras. Pela parte que me toca, não consigo vislumbrar o dia em que esta minha paixão se desvaneça. E ainda bem...

Remato, dizendo que se tiverem interesse em ver mais fotos das minhas rodelas, poderão fazê-lo neste tópico do fórum MetalUnderground.pt: http://www.metalunderground.pt/viewtopic.php?f=2&t=219

1 comentário:

Metal Goddesses disse...

Metal Church and Mercyful Fate rules!!