Entrevistas realizadas no parque de
estacionamento de um centro comercial, uma conversa perdida num ficheiro vazio,
músicos mal-humorados, bêbados e alterados, grandes amizades, boas e más
recordações e, acima de tudo, uma enorme paixão que une tudo isto: o jornalismo
musical! Eis a segunda parte da conversa com José Carlos Santos, aqui abrindo
espaço ao seu lado enquanto profissional nos obscuros, hilariantes e
apaixonantes recantos da indústria musical, proporcionando-nos uns valentes e
prazeirosos momentos de excelente leitura e partilha.
com Justin Broadrick ( Godflesh)
Escreves para diversas revistas
estrangeiras de grande projecção e influência. Quais as grandes diferenças que
assinalas entre mercados como a Alemanha ou o Reino Unido e o nosso país?
O tamanho. O funcionamento das coisas é em
tudo semelhante, a dedicação e o talento das pessoas é equivalente em todos os
países para cujas revistas já trabalhei. Mas nesses países o mercado é de uma
dimensão que não tem nada a ver com a nossa. Em particular nas revistas
inglesas (e americanas, claro, mas conheço melhor por dentro a realidade
britânica), que pelo idioma “universal” em que são escritas até lhes permite
serem lidas em todo o mundo, a visibilidade que têm é brutal. Em Inglaterra,
num país onde já existe a Terrorizer, a Metal Hammer, a Kerrang, a Zero
Tolerance, a Rock-a-Rolla e mais um monte de outras, fora as “importadas”
americanas, uma antiga directora da Terrorizer pode dar-se ao luxo de fundar
uma revista nova meia dúzia de meses depois de lá ter saído – a Iron Fist –
dedicada essencialmente ao heavy metal mais tradicional, e há espaço e público
para isso. Em Portugal, uma Iron Fist venderia 500 cópias, com boa vontade,
mesmo sem qualquer competição. Vivemos num sítio pequenino, e dentro desse
sítio pequenino ainda somos muito poucos a gostar disto do metal e do rock. E
desses poucos, ainda há menos que mantenham os hábitos antigos em relação aos
formatos físicos. Contra isso, não há muito a fazer.
Para além das diferenças óbvias ao nível
das escala, sentes um outro nível de profissionalismo e apoio logístico,
financeiro, etc…?
Não. Como disse, o profissionalismo e a
dedicação são exactamente os mesmos, na minha experiência – e já colaborei com
revistas inglesas, alemãs, canadianas e americanas. Acho que ninguém consegue
fazer nada neste nosso mundo muito particular se não for profissional, dedicado
e talentoso. Em termos de apoio logístico e financeiro, mesmo nos mercados
maiores que o nosso, a proporção em relação ao custo de vida é semelhante – o
metal é normalmente o parente pobre em todo o lado. Ninguém é rico nesta
indústria em particular, nem ninguém tem benesses extraordinárias quer escreva
para uma revista inglesa quer escreva para uma revista portuguesa. Sou eu que
pago os meus bilhetes de avião quase todos, a menos que haja alguma editora
discográfica por trás da iniciativa em questão, por exemplo. O que fazemos é
por carolice, seja em que sítio for.
Como é abraçar e gerir uma revista
dedicada à música no nosso país? Para começar, requer alguma coragem e bastante
carolice e paixão por aquilo que se faz, certo?
Carolice e paixão, claramente – e não o
digo a título individual apenas, digo-o referindo-me a toda a equipa que
constitui a LOUD! neste momento, que tem sido inexcedível nos seus esforços e
na aplicação do seu talento. Coragem... não é uma palavra de que goste muito
neste contexto. Coragem têm os bombeiros que vão apagar fogos, os médicos que
vão para cenários de guerra, as pessoas que se manifestam e exigem os seus
direitos perante riscos sérios à sua integridade física. Convicção é uma palavra
de que gosto mais. Convicção naquilo que somos capazes de fazer, carolice e
paixão. Isso sim, sem dúvida.
Como jornalista e um dos cérebros de uma
revista dedicada a um género musical muito específico, o metal, como
encaras o futuro desse tipo de publicações “físicas” ?
Com um optimismo moderado, mas firme.
Passamos por alturas difíceis, claro que sim, em todos os sectores e em
particular naqueles que mais mudanças sofreram nas suas bases de funcionamento
nos últimos anos, como é o caso dos dois em que se cruza o funcionamento de uma
revista de metal – a imprensa escrita e a indústria discográfica. Não lhes
vaticino uma morte definitiva, no entanto. Especialmente neste nosso nicho,
creio que haverá sempre espaço para uma publicação física, como haverá sempre
espaço para edições físicas dos discos de que todos gostamos. É preciso saber
evoluir e acompanhar as mudanças, diversificar as formas de oferta, refinar os
conteúdos e as ideias para que as pessoas não caiam no fácil (e erróneo, tantas
vezes) “ah, isso leio tudo na net”. Mas também é preciso ser teimoso e
acreditar que ninguém quer mesmo um mundo em que todas as revistas estão no
tablet e todos os discos no leitor de .mp3.
Consideras que também ao nível da imprensa
escrita a internet veio alterar por completo as regras do jogo? Em que
sentido?
Veio, tanto directamente como
indirectamente.
Directamente, porque a oferta de leitura é
quase infinitamente maior ao que costumava ser, e sem filtro nenhum. O que há
mais é “revistas” manhosas na net, e algumas muito boas também, já para não
falar da imensidão de blogues, desde o mais genial até ao mais embaraçoso. Isso
é bom e é mau: bom, porque obriga as revistas a elevarem os seus standards, a
mostrarem que continua a valer a pena comprar o papel, a tornarem-se quase em
coleccionáveis, porque ao mínimo desleixo, as pessoas abrem uma página na net e
borrifam-se para o trabalho e custo que dá para obter a revista. Mau, porque
muita gente não adoptou a saudável convivência entre os dois veículos
diferentes de informação e simplesmente deixou de sequer dar uma hipótese ao
formato físico.
Indirectamente, porque as mudanças
estrondosas que a internet causou na indústria discográfica afectaram
obviamente as publicações desse mundo. Não se vendem discos, as editoras têm
menos recursos para investir em publicidade e outras iniciativas, as bandas
sofrem, as revistas sofrem. As ramificações são muito mais complexas que isto,
mas a ideia base da coisa é essa. Para além disso, o acesso imediato a todos os
discos também mudou muito a percepção que os leitores têm sobre as revistas. É
uma generalização, mas que se verifica com frequência: antigamente, a maior
parte de nós usava as revistas de música como um guia, era um dos principais
veículos, se não mesmo o principal, para descobrirmos bandas novas e para
tomarmos decisões em relação aos discos que íamos comprar. A credibilidade das
pessoas que escreviam nas revistas era geralmente aceite. Agora, como já toda a
gente tem todos os discos que vêm criticados nas revistas, e como é muito mais fácil
descobrir as coisas por si próprio (e porque não há o peso de ter que ir
comprar os discos para os ouvir), a posição mudou para “deixa cá ver se este
gajo acha o mesmo que eu já acho deste disco”. E é fácil dizer que o gajo que
escreve é uma besta porque não gostou do mesmo disco que eu, porque eu agora já
tenho todos os discos e já tenho opinião formada sobre eles antes de sair a
revista. E se não o ouvi, vou aqui sacá-lo e daqui a 10 minutos já vejo se o
gajo é uma besta ou não. Não defendo que as revistas tenham que ser um oráculo
que contem toda a sabedoria e que guia as massas desmioladas, nada disso. Mas
que se perdeu uma grande dose da confiança que era à partida adquirida nesta
relação escritor-leitor, lá isso perdeu-se. É uma relação muito mais confrontacional,
agora.
com Jonathan Selzer (Terrorizer Mag)
Derivado do teu trabalho para revistas
internacionais, fazes a cobertura de eventos por essa Europa fora com alguma
frequência. Que realidades tens encontrado quando comparadas com a portuguesa,
principalmente ao nível do apoio e condições dadas às bandas e à divulgação
musical?
Em termos governamentais, a diferença é
abissal na maior parte dos países quando comparados com o nosso. Até me sinto
mal de pensar nisso, por isso não vou desenvolver muito, mas fica um exemplo
paradigmático: na Islândia, um dos tais países que sofreu mais com a crise
económica e cuja cena musical tenho tido a oportunidade de conhecer com alguma
profundidade nos últimos anos, existe uma organização apoiada pelo governo
chamada Iceland Music Export (IMX) cujo único propósito é o de dar a conhecer a
música islandesa internacionalmente. Basta ler o manifesto para chorar de
inveja de não haver uma Portugal Music Export: http://www.icelandmusic.is/about/imx/. E desengane-se quem pensa que isso
só serve para as Björks, Sugarcubes e Sigur Rós deste mundo. Putos novos e
talentosos do metal extremo como os Angist, os Gone Postal ou os The Vintage
Caravan beneficiam destas iniciativas, por exemplo, tendo voos grátis para vários
pontos da Europa para irem tocar a festivais e fazerem pequenas digressões, ou
tendo jornalistas convidados de vários media e editoras do estrangeiro a
assistirem às suas actuações locais e aos festivais islandeses onde participam.
Com resultados – por exemplo, uma das bandas que participou no último festival
Eistnaflug acabou de assinar um contrato com uma grande editora europeia. Isto
tudo num país supostamente em crise e com um isolamento geográfico 50 vezes
pior do que aquele de que tanto nos queixamos em Portugal.
Da tua experiência além fronteiras, somos
realmente um público excepcional ou isso não passa de conversa de músico e de
respostas de palmatória?
Somos, de facto, muito calorosos, mas
confesso que não noto grandes diferenças de nacionalidades em bons concertos,
sejam eles onde forem. Nunca fui a sítios onde o público parece de facto ser
totalmente diferente do que estamos habituados, como o Japão, ou até países
menos “habituais” na rota das bandas e portanto com públicos mais amalucados
como alguns da América do Sul... mas daquilo que conheço, e por azeiteiro que
isto possa soar, a nossa nacionalidade excepcional é o próprio metal, e é essa
“bandeira” que faz de nós excepcionais. Seja na Alemanha, na Finlândia ou em
Portugal.
com Wino e The Obsessed
Enquanto crítico musical, sentes a
responsabilidade e a influência que as tuas palavras poderão ter na decisão de
um leitor comprar ou não um disco? Sentes que tens o poder de influenciar as
escolhas? Como lidas com isso?
Como expliquei ali num testamento com que
respondi a uma das perguntas anteriores, não acho que hoje em dia
(infelizmente) as críticas musicais ainda tenham grande influência na decisão
de comprar, propriamente dita. Podemos, isso sim, encaminhar as pessoas para
uma nova banda ou algum tesourinho perdido do passado, o que poderá
eventualmente levar a uma compra, se o leitor em questão se tratar de um dos
três ou quatro gajos no mundo que ainda compram discos. Mas independentemente
disso, sim, continuo a forçar-me a ter o peso dessa responsabilidade quando
escrevo. Quer ela exista na realidade ou não. É uma questão de princípio, de
levar a sério o que faço. Lido bem com isso, sempre lidei. Não sou infalível,
faço e escrevo asneiras como toda a gente, mas tenho uma confiança saudável no
que faço.
Já alguma vez lidaste com situações de
leitores que se sentiram defraudados por seguirem aquilo que mencionavas numa
crítica?
Sim, em ambos os sentidos – ou não
gostaram de algo que recomendei, ou gostam muito de algo que recomendei
negativamente, digamos assim. Muito frequentemente. Alguns deles manifestam-se
respeitosamente, são capazes de perceber que, mesmo mantendo o tal equilíbrio
razão/coração de que falei há pouco, é possível (e saudável!) haver
perspectivas diferentes sobre música. Que isto de falar sobre discos não é uma
actividade exacta, objectiva e matemática. Que há gente que gosta do ‘Cold
Lake’ [NR: polémico álbum editado pelos Celtic Frost em 1988], e ainda bem!
Outros, a maior parte, infelizmente, nem por isso. Recebo hate mail com fartura. De fãs das bandas, e das
próprias bandas. Já me prometeram facadas, já me apelidaram de “mouco” e de
variadíssimos outros epítetos. O mais comum é mesmo sectorizarem-me para
conseguirem justificar a minha opinião sem admitirem que é possível existir
alguém no mundo que acha que aquele disco em especial não é a última coca-cola
do deserto – se eu não gostei de um disco de heavy metal, é porque sou com
certeza um gajo que só ouve hardcore. Se eu não gostei de um disco de folk, é
porque obviamente só gosto de black metal, e não percebi o que ouvi. Há muito a
tendência de as pessoas encararem as bandas que gostam como se fosse um clube
de futebol. Já me aconteceu dizer coisas menos boas acerca de discos fraquinhos
de bandas que otherwise gosto imenso, e a conclusão imediata
das pessoas é que eu odeio aquela banda. Não lhes cabe na cabeça que é possível
ter algum critério mesmo com as bandas de que se é fã.
Enfim, por aí fora. Mas não me estou a
queixar, note-se. Nunca afino com nada disto. Faz tudo parte, até encaro tudo
com algum bom humor. Quem tem qualquer tipo de actividade “pública” tem que
estar preparado para isso. Além disso, é bom sinal. É sinal que as pessoas têm
paixão pela música e até estão preparadas para insultar um gajo qualquer que
não conhecem só porque ele se está a “meter” com as bandas de que gostam.
Fossemos nós assim em todos os sectores da sociedade como somos com a bola e
com a música.
Ao longo de todos estes anos enquanto jornalista
deves ter algumas memórias curiosas para partilhar. Das quais nunca mais irás
esquecer-te pelo carácter insólito da coisa?
Acho que já mencionei parte dessas historietas lá atrás, mas lembro-me de duas específicas que aconteceram,
relacionadas com entrevistas propriamente ditas – uma delas, uma conversa no
Skype com o Steve Von Till, para um artigo aqui há uns tempos sobre os
Neurosis. Maravilhosa, como é habitual com o senhor, uma hora e tal de paleio.
O software de gravação que utilizava para gravar as chamadas pelo Skype nunca
me deu problemas nenhuns. Quando fui abrir o ficheiro para transcrever a
entrevista... 0kb. Não tinha gravado coisa nenhuma. Pânico total. Enviei um
email ao Steve a explicar o que tinha acontecido, e ele acedeu a responder a
uma série semelhante de perguntas por email, numa espécie de resumo escrito do
que tínhamos conversado horas antes. Um cavalheiro absoluto. Outra ocasião
embaraçosa – uma entrevista com o ex-Sentenced Sami Lopakka, agora guitarrista
dos KYPCK, quando saiu o primeiro álbum dessa banda nova. Esqueci-me
completamente. Liga-me ele, estou eu descontraídamente às compras no Colombo.
Fiz a entrevista no parque de estacionamento, sem gravador, ia escrevendo
freneticamente tudo o que ele me dizia. Podia ter adiado? Podia. Mas fiquei
demasiado envergonhado para admitir que me tinha esquecido da entrevista e
decidi improvisar. Safei-me.
com Mike Hill (Tombs)
Ao longo do teu percurso enquanto
jornalista musical, já entrevistaste centenas de músicos. Consegues eleger as
melhores conversas, as piores conversas e as mais insólitas?
As melhores são muitas, porque há muita
gente interessante neste meio – o Justin Broadrick (Godflesh/etc, com quem
voltei a falar há uns dias e apesar de estar afónico e com gripe não resistiu a
estender a conversa por hora e meia!), o Scott Kelly e o Steve Von Till
(Neurosis), o Wino (que tem sempre histórias novas e hilariantes), o Mike Hill
(Tombs) ou o Marco Serrato (Orthodox) são alguns dos que saltam logo à ideia,
mas também o Garm (Ulver), o Ihsahn, os Darkthrone, a Diamanda Galás, o John
Garcia (Kyuss), a Jarboe (Swans), o Aaron Stainthorpe (My Dying Bride), o Peter
Dolving (The Haunted), o Efthimis Karadimas (Nightfall), o Aaron Weaver (Wolves
In The Throne Room), o Erik Ripley (Wooden Shjips) ou o Max Cavalera, são todos
pessoas fascinantes com muita coisa relevante para dizer, e com quem passei
largas horas ao telefone ou em pessoa em algo que já transcendia o acto da
entrevista – já era mesmo uma conversa animada de ambas as partes, com todos
eles, e com muitos outros. Até com o Danzig, apesar da má fama do homem, tive
uma conversa fantástica, muito boa onda – a certa altura da conversa apareceu o
gajo da editora a dizer que não tínhamos mais tempo, e o bom do Danzig mandou-o
passear e disse-me para eu demorar o tempo que quisesse.
As piores, felizmente, são muito raras, e
são quase todas circunstanciais. É muito raro encontrar verdadeiros assholes.
As más experiências que tive, consigo compreendê-las perfeitamente e não
mantenho qualquer rancor com as pessoas em questão. Todos temos dias maus. O Al
Cisneros (Sleep, OM), por exemplo, tem a particularidade de entrar nas duas
listas, das melhores e das piores – de uma das vezes que o entrevistei por
telefone, estava a meio de uma tour, não estava nitidamente com vontade nenhuma
de falar com ninguém, foi bruto e mal educado, e só no fim quando percebeu que
a entrevista era para a Terrorizer (e não para “essa tua revista”, como lhe chamou
várias vezes durante a conversa) é que lá amansou e pediu desculpas, e explicou
que estava muito cansado e tinha dormido pouco e por aí fora. Há que
compreender, até porque da segunda vez que o entrevistei, já estava o homem
sossegado em casa e nitidamente a fumar qualquer coisa que o relaxou muito, e
foi uma das entrevistas mais delirantemente boas que já fiz, e das mais longas
também – foram quase 2 horas de conversa sobre os mais variados assuntos. Nem é
preciso sair dos Sleep para ir ter à pior de todas: o Matt Pike, para o que
seria supostamente uma entrevista sobre a reedição do ‘Dopesmoker’. Após vários
dias de várias tentativas, e de desespero constante tanto meu como do pobre
tour manager que tão boa vontade mostrou (era o vocalista/guitarrista dos
magníficos Totimoshi, o Tony Aguilar), lá conseguiram enfiar o telefone na mão
do Pike, que quando descobriu que o meu nome era José, a única coisa que me
conseguiu dizer foi um embriagado “so how’s the weather down there in Mexico?”
antes de uma sonora gargalhada e de desligar o telefone. Dias depois, foi para
rehab, o que faz sentido, não sem antes o pobre do Tony Aguilar (ele que é de
origem mexicana...) se ter desfeito em desculpas. Há dias assim.
com Orthodox
Qual aquele músico que adorarias
entrevistar?
Não tenho nenhum desejo específico, muito
sinceramente. Às vezes as entrevistas mais brilhantes vêm de onde menos se
espera, por isso aguardo sempre com expectativa as conversas, sejam elas com
quem forem. Olha, gostava de falar com o Pike outra vez, para ele se redimir
como fez o Cisneros.
Estando ligado à imprensa escrita há
tantos anos, deduzo que desde cedo começaste a ter acesso facilitado a inúmeros
discos e material promocional. De que forma isso educou o teu ouvido, estando
exposto a tantas sonoridades? É fácil digerir tanta música nova?
Sempre tive um caracter irrequieto, na
busca incessante por nova música. Todos os dias quero descobrir bandas novas,
ao mesmo tempo que mantenho o contacto com as que já gosto. Por isso, desde que
comecei a receber mais música ainda, por motivos profissionais, confesso que
não veio mudar muito a minha postura – só me veio alargar ainda mais os
horizontes que já forço a que sejam largos por definição. E veio tornar um
bocadinho mais difícil a separação entre trigo e joio, mas isso é um bom
problema.
Com esse acesso facilitado a tantos discos
de forma gratuita, certamente será difícil explicar aos que nos rodeiam o
porquê de continuar a gastar dinheiro em discos…
Nem acho que valha a pena, honestamente.
Sem me querer estar a armar em superior só porque cresci com uma cultura
diferente da actual nesse aspecto, a verdade é que quem gosta de música a
sério, percebe esse porquê. Até mesmo que não o faça, que não compre discos
porque efectivamente não pode e não tem dinheiro para isso. Mas percebe. Quem
não percebe... não é bem um fã de música propriamente dito, pois não?
Os formatos promocionais que chegavam à
imprensa estão hoje substituídos por um link de um ficheiro para download, pelo
menos na imprensa escrita. Como encaras essa posição das editoras?
Como uma necessidade financeira.
Compreendo, apesar de lamentar. Tem um lado bom, no entanto – como praticamente
já não há promos físicas (algumas editoras resistem estoicamente... abençoada
Profound Lore, por exemplo), os poucos discos que ainda vamos recebendo acabam
por ser edições finais. E, sinceramente, prefiro 5 discos “a sério” do que 20
promos em cartão.
Há quem defenda que dentro de um
jornalista/crítico musical reside um músico frustrado. Concordas?
Não é o meu caso, como não é o de muita
gente que conheço, mas acredito que haja exemplos que corroborem essa teoria.
Mas não é, de todo, aplicável universalmente. Além disso, há ainda quem
conjugue as duas actividades muito bem.
Há igualmente quem defenda que
para se ser crítico musical deverá perceber-se de música, saber tocar
instrumentos e estar por dentro de técnicas de gravação, captação de som,
produção e afins. O que te apraz dizer sobre isso?
Compreendo essa argumentação, mas acho que
às vezes é levada longe demais. Obviamente que para ter uma opinião completa
sobre a música que criticamos convém ter uma noção básica que seja
sobre as várias etapas de gravação de um disco e sobre as possibilidades dos
instrumentos. Tal como convém ter passado uma quantidade estúpida de
horas da sua vida a ouvir música boa e variada. Mas daí a dizer que tem que ser
músico, vai alguma distância. Seria o mesmo que exigir a um jornalista
desportivo que jogasse como o Cristiano Ronaldo ou a um crítico de cinema que
fosse capaz de substituir o Quentin Tarantino no próximo filme. Cada um tem o
seu papel, e se for desempenhado com profissionalismo e com competência há
espaço para todos. Normalmente a origem desses argumentos extremados vem de
bandas que recebem más críticas e que, em vez de saberem extrair algo positivo
(que nem sempre há, admita-se – nem toda a gente que escreve sobre música o faz
bem, também), refugiam-se no facilitismo do “então vem cá tu fazer melhor, se
conseguires”.
com Scott Kelly
(Neurosis)
Sei que actualmente vives exclusivamente
da tua actividade enquanto jornalista e repórter fotográfico na área da música.
Deduzo que seja um objectivo há muito perseguido e que te encha de satisfação
uma vez alcançado? Que conselhos dás a quem ambicione algo semelhante?
Que desista imediatamente, a menos que não
goste particularmente de dinheiro (risos). Agora a sério, sim, tenho a
satisfação de fazer o que gosto. A carreira que mantive em paralelo com esta
actividade durante mais de 10 anos era muito mais lucrativa em termos
financeiros, mas decidi que prefiro ter outro tipo de níveis cheios na minha
vida do que propriamente o nível da minha conta bancária. São opções que dependem
do feitio e das prioridades de cada um, e por isso não posso dar conselhos
universais. Acredito firmemente que quem quer alguma coisa com força
suficiente, acaba por fazê-la, dê lá por onde der. É o máximo que posso
dizer.
Tenta definir o que te vai na alma por
escrito sobre esta nossa paixão?
Essa definição é contínua e constante.
Tento cuspir os conteúdos da minha alma, por escrito, cá para fora para todos
os verem, todos os meses, todas as semanas, todos os dias – na LOUD!, na
Terrorizer, na Rock-a-Rolla, no The long way home.
(onewinteronly.blogspot.com), e em tascos com o mau gosto suficiente para me
admitirem como convidado, como o Opuskulo. Vou continuar a fazê-lo, e espero que
gostem.
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