terça-feira, setembro 30, 2014

Porque há coisas que não podem ficar perdidas...entrevista com José Carlos Santos

Os apaixonados por música e pelos discos (e reforce-se a palavra a apaixonados, e não os meros ouvintes de música) podem dividir-se em duas categorias. De um lado aqueles que tomam uma posição mais passiva perante essa sua paixão, idolatrando-a, respirando-a, sorvendo-a, vivendo em torno dela, mas limitando-a à busca incessante daquele disco, daquela peça que falta na colecção eternamente inacabada, tomando a posição de ouvinte, coleccionador, melómano...o que lhe queiram chamar! Do outro lado temos aqueles que, para além de partilharem muitas das características dos atrás descritos, tomam uma posição mais activa perante a música, quer seja enquanto músicos, quer seja enquanto investigadores, estudiosos, jornalistas, fotógrafos, técnicos, enfim, o que realmente importa é sentir que participamos da paixão, que nos alimentamos dela e que ela alimenta-se de nós, que fazemos parte de algo, que damos um pouco de nós em prol daquilo em que acreditamos e que corre nas nossas veias, que faz parte do nosso código genético. É nesse perfil que se encaixa o José Carlos Santos, um inveterado apaixonado pela música que, desde cedo, procurou participar activamente dessa sua paixão. Fá-lo como jornalista e fotógrafo em diversas publicações nacionais e internacionais ligadas ao metal e a sonoridades mais extremas e alternativas, actividade essa que, aos 34 anos de idade, lhe confere uma excepcional amplitude de pensamento e conhecimento sobre música, uma mente invulgarmente aberta e lhe permitiu contactar com realidades e pessoas tão distintas que lhe proporcionaram muitas histórias para contar e ensinamentos, curiosidades e opiniões para partilhar. A exemplo do que temos feito com outros entrevistados, damos hoje a conhecer a faceta de coleccionador do José Carlos, sendo que está guardada uma segunda parte desta entrevista que explora o âmago do jornalista, do fotógrafo, do crítico e, acima de tudo, do fã. Enjoy! 



Nome: José Carlos Santos

Idade: 34

Coleccionador há: 23 anos

Coração de: Muito sinceramente? De tudo. Desde que comecei a ouvir música que decidi, meio implicitamente, que não valia a pena estabelecer limites a mim próprio. Se gosto, gosto, e não é por ser de um determinado género ou determinada banda ou artista que não lhe vou dar uma oportunidade. O(s) meu(s) critério(s) de avaliação não é(são) a “etiqueta”, e acho que isso é saudável. Permite-me não passar ao lado de um monte de coisas boas que poderia à partida excluir. Obviamente que há tendências mais pronunciadas – obviamente que o metal está na génese da minha paixão pela música, e no geral, gosto de música “aventureira”, que desafia convenções e esses tais limites, e tenho uma apetência particular pela música mais feia e desagradável que possa existir. O que não invalida que logo a seguir a uma escutadela nesses parâmetros não vá curtir desmesuradamente o disco mais tradicionalão do mundo ou um singer/songwriter meloso qualquer. E estas era suposto serem as perguntas de resposta simples e rápida...

Primeiro Disco: Manowar – ‘Kings Of Metal’ (1988)

Último Disco: Tecnicamente, é a edição limitada do tenebroso ‘Scorn’ dos Primitive Man em vinil 180g. Tecnicamente, porque ainda não chegou, mas vem a caminho.

Sonho todos os dias com: Com o próximo. Ainda preservo o entusiasmo de comprar um disco novo e de o abrir e o pôr a tocar, se calhar ainda mais agora do que nos últimos anos em que recebíamos mais discos físicos das editoras, por isso fico à espera do próximo, seja ele qual for. Para não ser mete-nojo e dar um exemplo concreto, estou particularmente ansioso por ter o ‘The Underground Resistance’ dos Darkthrone em formato físico. O stream online que me enviaram é giro para me exibir e dizer que já o ando a ouvir há um mês, mas sinto-me um bocado impuro cada vez que o ponho a tocar. Em termos de discos do passado, ando há algum tempo a vasculhar por uma cópia do ‘Stridsyfirlysing’ dos Vondur, que tive na mão várias vezes durante os anos 90 e não comprei por estupidez, e agora só se encontra muito raramente a preços exorbitantes na net.

Qual o teu primeiro contacto com a música? No inicio houve alguém que te influenciou ou foste tu próprio que ganhaste este gosto especial de ouvir música?
Pela música, em geral, a influência mais marcante desde muito cedo foi a do meu pai, que tem uma colecção de vinil muito respeitável dos anos 60, que inclui pérolas de bom gosto como Beatles, Pink Floyd ou até Hawkwind. Mesmo sem entrar grandemente na música propriamente dita com 5 ou 6 anos, tenho muito presente a memória da convivência com tudo o que envolve a música, do cheiro e do toque dos discos, de tentar ler as primeiras letras e decorar títulos de músicas que não tinha sequer ouvido com atenção. Aliás, mesmo com essa idade, até mais cedo, com 3 e 4 anos, era habitual oferecerem-me discos infantis como prendas (o imortal ‘Jardim Jaleco’ perdura até hoje na memória!). Com 10 ou 11 anos, lembro-me de haver gente na minha escola a ouvir heavy metal, Iron Maiden e Metallica essencialmente, cujas capas dos discos eu já tinha visto em lojas e tinha ficado extremamente curioso em relação ao seu conteúdo. Fascínio visual instantâneo. Foi, no entanto, outra banda que me proporcionou o primeiro mergulho no metal (já conto a história na pergunta abaixo), e a partir dai segui uma espécie de caminho próprio, no sentido de que, tirando uma excepção ou outra, nunca tive propriamente um grupo de amigos, com os mesmos gostos que eu, com quem partilhar recomendações e descobertas. Desde muito cedo comecei a deitar a mão às revistas que havia na altura, portuguesas e estrangeiras (ia a Madrid com frequência, o que ajudava a arranjar algumas publicações que não existiam em Portugal ainda, e onde descobri também a gloriosa e saudosa loja Madrid Rock), e foi através delas, dos anúncios, das mail orders, do name dropping de bandas nos booklets dos discos e nas entrevistas e também de várias coisas compradas “às cegas” porque a capa parecia interessante que fui evoluindo nesses primeiros tempos. Isso até me ter envolvido um bocadinho no tape trading, que também expandiu horizontes. Sem nunca ter sido grande adepto da rádio, também há que mencionar de forma muito especial as tardes de Sábado com o Lança-Chamas do António Sérgio como fonte importante de influências novas. O Headbanger’s Ball do início dos anos 90, com a Vanessa Warwick, também me expôs a várias bandas.

E o teu primeiro disco, como foi essa memória e o que representou na altura?
Ainda que os Iron Maiden e os Metallica fossem as escolhas mais populares na minha escola entre os “metálicos”, como se dizia na altura, a minha génese musical verdadeira dá-se com o ‘Kings Of Metal’ dos Manowar. Lembro-me que um colega que eu nem conhecia bem levou o disco para a escola e enquanto se conversava sobre ele saiu-me um “emprestas-me?” espontâneo, sem sequer pensar bem no que estava a fazer. Ele acedeu, não sei bem como, e fiz uma cópia para cassete nesse dia. Tinha acabado de comprar o meu primeiro walkman, um tijolo da Akai, e não ouvi outra coisa durante meses. Nem me preocupei com outras bandas eventualmente parecidas ou sequer com outros discos que pudesse haver dos Manowar para além daquele – passei um Verão inteiro (o de 1989, salvo erro) no Algarve com os fones nos ouvidos a ouvir aquela cassete obsessivamente. Passei as letras todas, de ouvido, para um bloco onde fazia desenhos do logotipo e do guerreiro da capa. No fim das férias, passei com os meus pais por uma loja onde havia o disco à venda, e obriguei naturalmente o meu pai a comprá-lo. A partir daí, foi a tal evolução natural. Poucos dias depois, a minha avó, vendo-me a olhar para o ‘Ride The Lightning’ noutra loja durante um passeio, perguntou-me se eu o queria, possivelmente porque me tinha visto a ouvir música muito mais que o habitual nos últimos tempos. Nem queria acreditar, e claro que aceitei. The rest is history...

Ainda tens esse disco?
Não só o tenho (em CD, porque o ‘Kings Of Metal’ trazia uma faixa-bónus nesse formato – a ‘Pleasure Slave’ – e naturalmente achei muito melhor...), como também tenho a cassete mágica que andei a ouvir durante meses, com o logo desenhado por mim na lombada e tudo. Aliás, em termos de discos, eu tenho tudo o que alguma vez comprei/recebi. Nunca seria capaz de me desfazer de nenhum. Nem dos que não gosto. Só o admitiria numa situação extrema em que precisasse de comer e já tivesse vendido tudo o resto cá de casa.


O modo como encaras e sentes a música mudou muito ao longo dos tempos, especialmente tendo em conta que desenvolves a tua actividade profissional  na imprensa escrita há largos anos e acompanhaste o emergir de muitas tendências?
Como sinto, não. Tenho a mesma excitação infantil que sempre tive quando ouço um disco novo que me agrade, quando descubro algum disco antigo que me tenha passado ao lado até à altura, ou quando revisito um favorito que já não ouvia há algum tempo. Ou quando vejo uma banda de que goste ao vivo, claro. No dia em que deixar de sentir isso, fico preocupado, porque quer dizer que alguma parte fundamental de mim se partiu cá dentro. Como encaro... talvez tenha mudado um pouco, sim. Não necessariamente para melhor ou para pior, mas quando aquilo que fazemos exige que conheçamos a maior parte das bandas em mais pormenor do que seria normal, ou até quando já conhecemos e já conversámos com boa parte dos músicos que admiramos, a postura é necessariamente diferente. O gajo aqui aos gritos no disco dos Amenra já não é só um belga com um nome esquisito, é o Colin que se despiu para eu lhe tirar fotos das tatuagens, que me esteve a falar dos filhos e com quem tenho trocado emails com regularidade, só para dar um dos exemplos mais recentes. Não muda a minha opinião, seja ela qual for, sobre a música em si, mas torna a ligação com ela um pouco diferente, mais próxima. O que acho que é importante, não só para quem trabalha efectivamente na indústria, mas até também para o fã “normal”, é evitar ficar demasiado jaded. Começar a descartar música só porque andamos há 15, 20 ou 30 anos a ouvir música o dia todo e já não temos paciência para certas coisas. É verdade que isso acontece, inevitavelmente, sob todos os aspectos, mas combater isso é ajudar a manter uma certa vitalidade juvenil, um certo entusiasmo, que faz muita falta. Particularmente a quem escreve sobre música. Ser cínico e “vivido” é giro, mas só até certo ponto.

Como é que as pessoas que te rodeiam e que conhecem esta tua paixão vêem o facto de teres tantos discos e itens relacionados com música?
Tenho muita sorte nesse aspecto, porque nunca encontrei qualquer tipo de oposição ou sequer estranheza por parte de ninguém que pertença ao meu círculo mais apegado. A minha família é muito pequena, e os meus pais e avós, de quem sempre fui muito próximo, sempre acharam normalíssimo que eu comprasse discos com cruzes invertidas e gente mutilada na capa, porque sempre souberam separar a temática do meu entretenimento (que em cinema, literatura e video-jogos seguia uma linha semelhante, até) daquilo que eu sou, felizmente. É um passo com o qual muita gente tem dificuldade. O meu pai trouxe-me o ‘Tomb Of The Mutilated’ de uma viagem de trabalho porque achou que aquilo tinha a minha cara, para teres uma ideia. As pessoas que me foram conhecendo ao longo da vida já me conheceram assim e nunca sequer questionaram o porquê do maluquinho da música ter uma divisão em casa só para os discos. É assim e pronto.

Imaginas a tua vida sem música?
Nem a minha, nem a de ninguém. É algo que está em todo o lado, mesmo que não demos por isso. Até o mais empedernido tirano fundamentalista que proíba a música no seu país há-de acordar com uma melodiazinha qualquer na cabeça, por muito que o negue. E não é sequer uma coisa exclusivamente humana, ainda ontem li um artigo extremamente interessante sobre a resposta emocional dos pássaros à música – consta que um grupo de cientistas, após várias experiências, concluiu que a reacção neurológica de um bando de pardais à música é praticamente igual à do ser humano. Como se eu não soubesse já isso pelas reacções dos meus cães às diferentes coisas que toco quando eles estão deitados no sofá atrás de mim.

Compras um disco e quando chegas a casa qual é o teu ritual?
Infelizmente, compro cada vez menos discos que envolvam a parte do “chegar a casa” – a maior parte das compras são feitas online, e nesse caso, quando os recebo, já estou em casa, mas o entusiasmo é semelhante. Seja a abrir o pacote dos correios ou seja, efectivamente, a chegar a casa com um disco novo, o foco é todo para o disco. Não interessa o que eu esteja a fazer (no primeiro caso), não interessa despir o casaco (no segundo caso), a primeira coisa a fazer é abri-lo (com cuidado obsessivo, obviamente, preservando quaisquer autocolantes ou coisas do género) e pô-lo a tocar com o booklet à minha frente.

Tens algum cuidado em especial que queiras partilhar sobre limpeza e conservação dos discos?
Nenhum que qualquer pessoa que goste minimamente dos seus discos não tenha já, suponho. Evitar armazená-los em locais húmidos, tê-los em móveis próprios e sem estarem empilhados uns em cima dos outros, manuseá-los como se fossem o nosso filho recém-nascido... esse género de coisa. Nos últimos anos, também tenho passado muita coisa para .mp3 para minimizar o manuseio do objecto.

De que forma organizas e arquivas a tua colecção?
Estritamente alfabética, separada apenas por formato – CDs, vinil, cassetes e promos em cartão. Até atingir os 500 discos, por aí, tentei uma organização mais ou menos por género, mas há demasiados casos dúbios, muita “polinização cruzada”, e aquilo chegou a uma altura em que só eu é que poderia alguma vez descobrir um disco no meio da colecção, mais por associação mental de vários factores do que propriamente por alguma organização lógica. Hoje em dia já seria impossível fazer isso. A ordem alfabética dá azo a casos interessantes de proximidade, já agora. Um colega meu escocês que escreve para a Zero Tolerance fez um post sobre isso no blog dele há uns meses que vale a pena recordar: http://punbasedname.blogspot.co.uk/2012/09/strange-bedfellows-part-1.html. Qualquer dia faço uma lista deste género.

Quantos discos tens no total, considerando todos os formatos físicos?
Em CD, considerando as promos, deve rondar os 8.000. Mais umas centenas da minha colecção vergonhosamente curta de vinil (born too late, como diz o outro, e born too poor também) e mais umas centenas de cassetes (a maior parte demos, mas muitas com recordações várias do tape-trading), que são as únicas que não trouxe de casa dos meus pais para a minha casa actual. Enough is enough.


Qual é o item ou os itens que mais destacarias da tua colecção seja por motivos afectivos, seja pelo próprio valor comercial ou em termos de raridade?
Sou obsessivo por ter a música, mas não necessariamente por ter múltiplas edições do mesmo disco ou por ter alguma raridade em particular. Nunca paguei preços exorbitantes só para ter “aquela” edição, por isso não tenho assim tanta coisa que possa constituir uma raridade ou que valha milhões no eBay. Os discos que guardo com mais afecto são aqueles cujas bandas têm alguma ligação pessoal comigo, ou com quem já tive o prazer de estar pessoalmente. Ocorrem-me os discos dos Swans que o Michael Gira se deu ao trabalho de assinar pessoalmente num dos meus encontros com o senhor (e até mesmo a cópia do livro dele, ‘The Consumer’), a edição limitada em caixa de madeira do ‘Adrift’ do Wino com um agradecimento e uns arabescos rabiscados a caneta pelo próprio na noite em que me salvou de dormir numa floresta cheia de lobos (long story), a maqueta dos Sororicide oferecida pelo Gísli himself, a edição limitada do ‘Microbarome Meetings’ dos Black Shape Of Nexus com fotos minhas ou o LP do ‘Live At Roadburn’ dos Wolves In The Throne Room cuja capa também é uma foto minha. Alguns singles 7” do Johnny Cash que me vieram parar às mãos improvavelmente depois do fecho de uma pequena loja americana de onde mandava vir algum country alternativo e cujo dono acabei por conhecer e tornar-me amigo dele à distância. Enfim, nada que valesse um milhão de dólares num leilão, mas tudo coisas que guardo com um sentimento forte.


Alguma vez perdeste a cabeça a nível monetário na aquisição de um disco? Qual o valor que gastaste?
De um disco, não. Já perdi a cabeça várias vezes, em feiras de discos, em concertos (depois de ver os Trap Them pela primeira vez, em Espanha, fui directo à banca do merch onde já estava o Ryan ainda todo suado e ofegante, e pedi-lhe “tudo”. Mesmo, “one of each, please”), mas sempre por comprar múltiplos items. As viagens à feira da ladra para comprar discos ao Pedro Cardoso eram particularmente danosas para os meus limitados recursos, na altura. Mas só por um disco, nunca cometi grandes loucuras. Estou aqui a ver o tal álbum dos Vondur de que falei há bocado a 40€ na net e não sou capaz disso. Um dos discos mais caros que comprei foi, estranhamente, o ‘Passage’ dos Samael. Fiz na altura em que esse disco saiu, ali por alturas de 1996, uma longa viagem de autocarro pela Europa, e meti na cabeça que iria comprar em cada país por onde passasse um disco de uma banda desse país. Coisas de nerds dos discos. Na Suiça estive muito pouco tempo, foi uma paragem de uma hora em Zurique e pouco mais, e como já tinha os discos todos dos Celtic Frost e sabia que os Samael tinham álbum novo, naturalmente que essa hora foi dedicada a procurar uma loja de discos para o comprar. Achei, a 10 minutos de ter que voltar para o autocarro, e lá estava o ‘Passage’ em prateleira de destaque e tudo. Custou-me 4500 escudos, o sacana do disco.

Tens alguma banda em particular que tentas ter, não só os álbuns oficiais, mas também singles, ep´s, maxis e bootlegs?
Algumas... Swans, Neurosis, várias outras tanto mais dos anos 80 como mais modernas. Tenho muita coisa. Mas vivo bem se não tiver as gravações de todos os concertos que os Swans deram em caves americanas nos anos 80, diga-se.

Em média, quantos discos compras por mês?
Há uns 15 anos atrás, a resposta seria na ordem dos 10 discos, no mínimo. Bons tempos, em que tinha começado a trabalhar, não tinha encargos nenhuns e nem sequer havia uma crise económica como a que vivemos hoje. Os discos estavam para o meu orçamento mensal como o ministério da defesa está para o orçamento de estado dos EUA. Actualmente, com menos dinheiro para gastar em mais coisas, e como ainda por cima recebo alguns discos “a sério” de editoras (a promo física em cartão, definitivamente, morreu) que até compraria em condições normais, só compro 1 ou 2 no máximo. Com pena.

Onde costumas adquirir os teus discos?
Lojas online, concertos, festivais.

Qual o local mais improvável onde adquiriste discos?
Na secção de comida para animais do Jumbo de Alfragide. I fuckin’ kid you not. Nessa altura (algures por 1989/1990), esses primeiros hipermercados a aparecer ainda tinham uma secção de discos razoavelzinha. Encontrei algumas pérolas, até porque era um miúdo de 11 ou 12 anos a começar a ouvir música e ainda não tinha grande ideia de onde procurar mais, tirando uma loja ou outra que conhecia ou nas tais idas a Madrid, por isso enquanto os meus pais faziam compras eu ia ver discos. Andava um dia à procura de discos antigos dos Manowar, e não encontrei nenhum... até passar pela dita secção, onde estava, nitidamente à minha espera, o ‘Into Glory Ride’, de longe o meu disco favorito deles hoje em dia. Há claramente uma piada à espera de ser feita nesta situação, mas não vou ser eu a fazê-la...

A(s) melhor (es) aquisição (ões) de sempre, aquele dia glorioso em que voltamos para casa ainda a nos beliscar se realmente aconteceu?
Essa do ‘Into Glory Ride’ foi altamente gloriosa, mas já descobri um LP do ‘Powerslave’ num caixote de discos maioritariamente da Amália e do Trio Odemira, por 1€, na Feira do Livro, e já voltei para casa com 23 discos (vinte-e-três) de uma feira do disco em Faro, algures nos anos 90, tudo coisas boas e de 1.000 escudos para baixo.

Qual é o teu Top dos melhores discos de sempre, aqueles que independentemente do género aconselhas todos a ouvir antes de morrermos pelo menos uma vez?
Isso é uma pergunta tenebrosa que não se deve fazer a ninguém que tenha mais de 20 discos em casa. Eu tenho dificuldades para restringir as minhas listas de melhores discos a menos de 100 todos os anos. Resistindo, no entanto, ao impulso de te chamar um nome feio, dou-te os 20 primeiros que me vierem à cabeça como essenciais nos próximos 20 segundos, sem ordem nem grande critério, porque senão esta entrevista nem em 2015 seria publicada:
Neurosis – ‘Through Silver In Blood’
Swans – ‘Soundtracks For The Blind’
Tom Waits – ‘Mule Variations’
Emperor – ‘Anthems To The Welkin At Dusk’
Leonard Cohen – ‘Songs Of Love And Hate’
In The Woods... – ‘Omnio’
Diamanda Galás – ‘Malediction And Prayer’
Darkthrone – ‘Under A Funeral Moon’
Saint Vitus – ‘Born Too Late’
Kiss It Goodbye – ‘She Loves Me, She Loves Me Not’
Iron Maiden – ‘Seventh Son Of A Seventh Son’
Melvins – ‘Houdini’
Godflesh – ‘Streetcleaner’
Pentagram – ‘Pentagram’ / ‘Relentless’
William Elliott Whitmore – ‘Hymns For The Hopeless’
Johnny Cash – ‘American Recordings’
Townes Van Zandt – ‘For The Sake Of The Song’
Nick Cave And The Bad Seeds – ‘The Boatman’s Call’
16 – ‘Drop Out’
Antony And The Johnsons – ‘Antony And The Johnsons’


Vinil, CD ou Cassete?
Gosto de todos. Todos proporcionam uma experiência diferente. Não vejo os formatos como uma “competição”, vejo-os como complementos.

Vinil preto ou colorido?
Depende do disco...

Picture Disc ou 180gramas?
180g

Gatefold ou capa Simples?
Indiferente. Capa bonita + música boa, e fico bem.

Formato 12” , 10” ou 7”?
Again, gosto de todos, desde que o disco em questão seja bom e faça sentido no formato em que foi lançado.

Jewelcase ou Digipack?
Digipack, porque geralmente dá a sensação de ser mais uma peça “única” do que a caixa universal de plástico. Mas não é grande factor de decisão para coisa nenhuma.

Primeira prensagem ou reedição luxuosa?
Ambos, desde que “luxuosa” queira dizer “demo-nos ao trabalho de fazer isto valer a pena”. São duas perspectivas diferentes, temporalmente e em termos de aproximação, à mesma peça de música, e portanto complementares.

Lojas físicas ou Internet?
Preferia lojas físicas, mas hoje em dia, como já referi, a internet domina largamente a minha preferência. Não posso deixar aqui de referir as duas lojas físicas mais fascinantes que conheço – a Music Hunter em Helsínquia e a Neseblod em Oslo. De um tipo se perder lá dentro durante horas. Não há internet que possa competir com essas. Mas são longe!

AUDIOFILIA...

Tens o teu lado audiófilo ao nível do HI-Fi ou apenas gostas de ouvir musica desde que soe bem sem te preocupares muito com a busca do som ideal?
Acho que quem ouve tanta música durante tanto tempo acaba sempre por desenvolver alguns standards mínimos de qualidade de som, seja na produção dos discos (e aqui, qualidade de som pode significar muitas coisas, o ‘Under A Funeral Moon’ para mim tem uma produção perfeita para o que é, mas adiante) ou no equipamento que usamos. Mas não sou, de todo, um audiófilo no verdadeiro sentido do termo. Nota-se a diferença em relação a um sistema de som como deve ser, claro, mas não me perturba nada ouvir .mp3 no computador, com umas boas colunas e uma boa placa de som.

Há algum instrumento que te cative mais quando estás a ouvir musica?
Há, mas varia de banda/artista para banda/artista, dependendo das suas características. Não há um que me apele mais que os outros, universalmente. Por exemplo, com os Hooded Menace ou com os Trap Them, é o sonzaço de guitarra do Lasse Pyykkö e do Brian Izzi, respectivamente, que me cativa mais. Com os Planes Mistaken For Stars é o vozeirão do Gared O’Donnell. Com os OM, é o baixo do Cisneros que parte tudo. Por aí fora.

Tocas ou gostarias de aprender a tocar algum instrumento?
Vou citar a resposta do meu grande amigo e colega Nelson Santos: toco air guitar e air drums. E mal!

Primeiro Concerto?
Metallica + The Cult + Suicidal Tendencies, Estádio José de Alvalade, 16/06/1993

Melhor concerto de sempre?
Mais uma pergunta daquelas que não se faz, mas o ponto de ebulição atingido pelos Neurosis, em Londres (KOKO), em finais de 2010, dificilmente será alcançado.

Concerto de sonho?
Os In The Woods... reunidos de novo, a tocar o ‘Omnio’ na íntegra. Ou um concerto qualquer do Tom Waits, que é um daqueles nomes que ainda me falta riscar da lista dos must-see-before-I-die.

Que banda gostarias de ver ao vivo e que já não vai ser possível?
Os Iron Monkey, os Ramones, o Johnny Cash e o Townes Van Zandt. E sem ser música (mas tem a ver), o Bill Hicks. E, apesar de o ter visto muitas vezes, vou sempre ter saudades de testemunhar ao vivo o Peter Steele a borrifar-se para o público.

Como jornalista, certamente já te aconteceu fazer a cobertura de concertos que musicalmente nada te dizem. É fácil separar a razão do coração?
Já aconteceu, claro, mas não acho que seja benéfico separar totalmente a razão do coração. Acho que uma boa crítica – e aqui não estou só a falar de concertos, mas também em críticas a discos ou a qualquer outro output musical - tem que ser uma mistura saudável das duas coisas. Se se retirar totalmente um dos factores, ou se fica com um relato estéril e meramente factual, sem o “fogo” que a música deve atear, ou se fica com um rant apaixonado e vazio de objectividade de um fã, sem a responsabilidade crítica que uma publicação escrita exige. Há quem defenda os dois extremos, mas o que sempre me regeu enquanto pessoa-que-escreve-sobre-música foi a responsabilidade de manter um equilíbrio saudável.
Explicando isto melhor: muitas vezes acontece que, quando somos “atacados” por alguma opinião que tomamos ao escrever e ao criticar um disco ou um concerto, alguém nos tenta “defender” dizendo que uma crítica é apenas uma opinião pessoal. Isso, para mim, é uma desvalorização ainda mais insultuosa do que o gajo que me diz que sou uma besta porque não dei 9 a um disco que ele gosta. Uma crítica publicada numa revista impressa não é uma verdade absoluta, claro, mas não pode ser, para mim, apenas uma opinião pessoal. Para isso existem os blogues pessoais e outras coisas do género. Acho que quem tem a responsabilidade de escrever numa publicação impressa tem que ter noção dessa responsabilidade e da influência que tem nas pessoas que o vão ler. Tem que ter uma opinião contextualizada com a revista onde está a ser publicado, com o público para quem está a escrever, e ciente do bigger picture daquilo sobre o qual está a opinar. Mas, e esta é que é a parte importante, sem se anular. Sem deixar de ter a sua própria voz, a sua própria personalidade, e confiança nos seus próprios gostos, no seu background, nos seus alicerces musicais e na sua capacidade de crítica. Sendo consistente e coerente ao longo do tempo, aplicando os critérios correctos, e acima de tudo tendo uma mente aberta, aceitando à partida todos os géneros musicais e todas as bandas e artistas sem nenhuma ideia pré-formada, não acho que haja problema nenhum em manter o tal coração na escrita. Toda a gente tem preferências e tendências, e quem escreve sobre música também as pode e deve ter, o que não pode ter é limites, ódios de estimação ou palas nos olhos.

Durante as tuas odisseias na cobertura de eventos por esse mundo fora, certamente já terás vivido alguns momentos hilariantes. Há algum (ou alguns) que jamais esquecerás?
Recentemente recordei alguns em maior detalhe na rubrica semanal Taking the long way home que fui gentilmente convidado a escrever no blogue da Amplificasom (http://amplificasom.com/blog/), que basta vasculhar um bocadinho para encontrar, por isso vou só deixar alguns lampejos breves de coisas bizarras/amalucadas/curiosas que me têm acontecido. Como por exemplo... sobreviver com a máquina fotográfica intacta a um concerto dos Municipal Waste, só para deixar cair a objectiva (carinha, diga-se) no chão enquanto guardava o equipamento cá fora. Sentar-me num banco de jardim em Oulu depois do último concerto de sempre dos Sentenced para fazer tempo para o comboio para Helsínquia daí a 2 horas e aperceber-me que o jardim em frente ao banco é o spot preferido de urinação das meninas da universidade local que saem a noite e não reparam que está um marmanjo estrangeiro ali sentado àquela hora. Fazer uma entrevista de 20 minutos, em pessoa, com o Michael Amott, a um metro dele, e ele não olhar para mim uma única vez. Contar 48 Turbojugends diferentes em blusões presentes num concerto dos Turbonegro em Munique no auge da sua popularidade. Ter o Guy Pinhas (dos Goatsnake/The Obsessed/Thorr’s Hammer) a dar conversa à moça do bar dos cocktails para nos enfrascarmos com estilo, porque cerveja é para pobrezinhos. Assistir ao Portugal – Inglaterra do Mundial de 2006 com toda a road crew dos Venom, 100% britânica, e ganhar. E não resistir a festejar à frente deles. Ver o Nocturno Culto em palco com os Triptykon e precisar de uma folhinha de cábula para cantar a Dethroned Emperor. Ver o Abbath e o Demonaz a tirarem fotos um ao outro com o telemóvel na esplanada de um bar à beira-rio, em poses totalmente invisible oranges. Fazer uma entrevista de 45 minutos com o Grutle e com o Ivar dos Enslaved dentro de uma carrinha às escuras (a luz de presença estava fundida) porque era o único sítio silencioso nas proximidades. Ser convidado pelos Black Sun a cantar uma cover de AC/DC em palco com eles, recusar educadamente, mas depois embebedar-me e fazê-lo na mesma. Chegar a uma listening session dos Children Of Bodom em Helsínquia e o guitarrista Roope Latvala já estar caído de bêbado à entrada para o restaurante reservado para o efeito. E no fim ir para uma sauna com a banda e todos os outros jornalistas. Também para uma listening session, desta vez dos Soilwork, entrar nos escritórios da Nuclear Blast em Estugarda e ver a cara de pânico do Tuomas Holopainen (tinha havido um evento promocional dos Nightwish nos dias anteriores) que estava sentado no bar a beber um leitinho perante a horda de jornalistas metaleiros que invadia a sala. Fugiu, literalmente, pela porta das traseiras. Ver um concerto dos Dwarves durar 20 minutos com porrada da grossa pelo meio entre banda e público. A lista é infindável...

Tens por hábito comprar livros, revistas ou fanzines de música? Qual a tua publicação favorita?
Sempre tive. Em termos de revistas, desde os tempos da Melody Maker (onde li pela primeira vez o grande Jonathan Selzer, uma das maiores influências musicais, e não só, da minha vida, e senhor a quem devo muito), da Kerrang que ainda valia a pena e até da Rock Brigade brasileira ou da Hard Rock e da Hard’n’Heavy francesas, passando por todas as habituais até às que ainda mantenho hoje. É horrível dizer que as minhas favoritas são a LOUD! e a Terrorizer? É que sempre foram, mesmo antes de passar a fazer parte do staff das mesmas – tenho os números todos das duas, por isso tenho alguma moral para isso. Gosto muito da Rock-a-Rolla britânica também... mas nessa também sou suspeito! Daquelas com as quais não colaboro, adoro a Decibel, a Uncut e a Zero Tolerance. No que diz respeito a livros, sempre li freneticamente, por isso foi natural ir adquirindo livros ligados à música de que gosto, seja de forma mais directa (coisas como o Swedish Death Metal, o Only Death Is Real, o Lords Of Chaos ou a brilhante série anual Da Capo Best Music Writing) ou menos directa (o The Consumer do Michael Gira, os livros do Nick Cave, de entre os quais destaco o genial The Death Of Bunny Munro, o The Peacock Manifesto do Stuart David, enfim, livros escritos por músicos que não são necessariamente sobre música).


O que lês neste momento e o que aconselhas?
Estou a ler algumas obras em simultâneo que aconselho vivamente – o The Sisters Brothers do Patrick deWitt, que tem um ambiente muito Deadwood-esco (para quem gostou da série, é obrigatório), e um compêndio bastante divertido chamado 75 Worst Ways To Die, que comprei na gift shop de uma exposição impressionante que visitei em Londres, na Wellcome Collection, chamada Death: A Self-Portrait. Também estou a revisitar o arrepiante Heart Of Darkness do Joseph Conrad, que li há muito tempo quando ainda era muito novo, e que tenho a sensação que estou a entender muito melhor agora da segunda vez.

To be continued...

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