Para além da enorme paixão e dedicação à música, tenho em comum com o Ricardo Ribeiro um passado ligado às fanzines...daquelas ainda mesmo em papel, verdadeiras obras de artesanato feitas na base do corte e costura, do improviso e de muita dedicação e carolice. My Putrid Spittle, Icon e Icontomb foram alguns dos projectos que o Ricardo tomou em mãos na segunda metade da década de 90 e que marcaram o movimento underground no qual se moviam. Ficam algumas impressões sobre essa experiência.
Esta entrevista marca igualmente o início de uma série de artigos - "Fanzices" de seu nome - na qual irei autenticamente desenterrar alguns dos projectos que foram sendo feitos na mesma base daqueles que levaram o Ricardo a pôr mãos à obra. Sem prometer qualquer tipo de periodicidade, eles vão aparecendo, sendo que as vossas sugestões serão, obviamente, bem vindas.
Durante o final da década de 90
aventuraste-te no saudoso mundo das fanzines. Fala-me dessa experiência e das
memórias que guardas dessa época?
Sem querer ser
saudosista, eram tempos muito bons.
Tinha-se contacto com pessoal de toda a parte do mundo, onde se trocavam
cartas, cassetes, flyers, etc. fazia-se tudo com paixão e dedicação. Lembro-me
que cheguei a enviar várias vezes moedas nas cartas para comprar algum item.
Hoje em dia isso era impensável (risos). Era muito interessante acompanhar a
evolução das bandas desde o seu início. Tenho muito orgulho em ter participado
de forma activa na divulgação do “metal underground “. Estava sempre em pulgas à
espera do carteiro para ver o que chegava de novo. Era uma desilusão quando não
havia nada...(risos)
Achas que o esforço e a dedicação que
projectos como uma fanzine exigiam alimentavam em nós um sentimento muito mais
profundo de entrega e de vivência da música como uma paixão que nos arrebatava?
Sim, sem duvida.
Eu vivia diariamente rodeado de música. Tinha um trabalho (familiar) que me
permitia estar ligado ao movimento underground 7/8 horas diárias, 7 dias por
semana. Era onde tinha o meu “headquarter” para fazer a fanzine/distro,
correspondência, etc. Que bons
tempos esses (risos). Hoje em
dia já não consigo fazer isso.
O que te levou a terminar esses projectos?
Alguma vez sentiste o ímpeto de voltar a fazer algo, ainda que adaptado às
novas tecnologias?
Ao mudar de
emprego fiquei sem tempo para dedicar ao projeto. Gostava de ter continuado ligado à cena
musical, talvez não como fanzine, mas como editora, acho que era o caminho
natural a seguir. Na altura ainda cheguei a editar a demo dos Howl. Gostava de ter uma editora apenas para
edições de “luxo” e limitadas, só direccionada para coleccionadores. O dito cd
“normal” está morto, hoje quem realmente compra discos quer edições especiais e
limitadas. Espero estar enganado, mas é a sensação que eu tenho.
Durante anos, as fanzines tornaram-se em
autênticas bíblias de preciosa e escassa informação sobre as nossas bandas
favoritas e sobre o que ia acontecendo a um nível mais underground. Como
encaras agora toda a facilidade de acesso à informação que a internet veio
proporcionar? Acabou por perder-se irremediavelmente um certo fascínio e um
lado mais misterioso da música?
Sim, esse
fascínio está a perder-se. Hoje em dia somos “bombardeados” com tanta
informação, tantas músicas, tantas bandas, acaba por não se dar o devido valor.
Mas para mim o mais preocupante é que eu acho que se está a perder o conceito
de “álbum”. Sinto que hoje em dia a maior
parte do pessoal “saca” 1 ou 2 faixas que mais se gosta ou vai-se ao Youtube e
ouvem-se musicas soltas, não álbuns completos. Está a perder-se o respeito pela
musica. Apesar de tudo, a internet usada devidamente é um excelente meio de
divulgação e promoção para a música.
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