Chama-se Ivo Seabra, é português e vive na Suiça. Nada de novo e, aparentemente, algo que volta a ser cada vez mais frequente. Radicado no país do chocolate e dos relógios há cerca de dez anos, o nosso entrevistado antecipou o convite que os nossos governantes amavelmente dirigiram aos jovens no sentido destes procurarem uma vida melhor lá fora e encontra-se hoje perfeitamente estabilizado e integrado na Suiça, inclusive no que à sua grande paixão diz respeito: a música, o metal e os discos. Foi sobre essa paixão que o Ivo acedeu falar com o Opuskulo, oferecendo-nos uma interessante perspectiva sobre como é ser colecionador e fã de música num contexto diferente do nosso.
Dos seus 36 anos de vida, Ivo conta com 22 de dedicação aos discos e de encantamento pela música, especialmente pelo Metal e seus derivados. “Devo dizer que fiz uma evolução dita normal, visto ter começado a ouvir hard rock e depois ter procurado sempre coisas mais extremas e pesadas. O thrash, o death e o doom são sem duvida os géneros que prefiro. Mas gosto de tudo dentro do rock”, explica-nos. O seu primeiro disco “terá sido uma cassete daquelas compilações das melhores musicas do ano, tipo hit parade… pode parecer foleiro mas tinha a “Living on a Prayer” dos Bon Jovi e fiquei logo agarrado! Mas o primeiro disco a sério e comprado com o meu dinheiro, foi o “Rust in Peace” dos Megadeth”. A entrada mais recente na sua colecção terá sido o excelente e recomendável “Surgical Steel”, o regresso dos Carcass, em 2LP Red juntamente com o Captive Bolt Pistol 7" Blue, também dos britânicos.
Uma colecção nunca está terminada, sendo que entre os títulos que Ivo procura com mais afinco encontram-se o “Abstract Divinity” dos Thormenthor ou o “Slaughtersun” dos Dawn. “Ás vezes fico mesmo com vontade de os comprar, mas os preços praticados desmotivam-me sempre”, confessa entre risos. Em vinil aponta o “The Sham Mirrors” dos Arcturus ou o “Swansong” dos Carcass, referindo que “este ultimo ainda o ano passado o tive na mão, numa feira de discos mas não me apeteceu pagar 50€…. claro que mais tarde arrependi-me!”.
Voltando atrás no tempo, pedi ao Ivo que me falasse sobre o seu contacto com a música, sendo que não teve problemas em admitir que este foi muito mau! “O meu pai era vendedor ambulante e nas feiras e festas eu levava com aquela musica pimba todo o dia! Conheço todos os grandes êxitos da musica popular portuguesa dos anos '80 de trás para a frente”, explica. O bichinho estava instalado e a paixão foi-se desenvolvendo naturalmente, sendo que Ivo recorda com visível nostalgia o grande orgulho que sentiu ao ter comprado o seu primeiro disco, com o seu próprio dinheiro. “Ouvi vezes sem conta, li e reli as letras até a exaustão!! Aliás, aprendi a falar inglês com os meus primeiros discos de Megadeth e Slayer”, revela.
Perfeitamente compreendida por muitos como nós, mas totalmente descabida para tantos outros, Ivo revela que, quanto à sua paixão pelos discos “a maior parte das pessoas desconhece que tenho tantos discos e os que sabem não compreendem lá muito bem. Ainda no outro dia tentei explicar a um colega de trabalho o porquê de comprar vinil nos tempos que correm, mas ele só falava em como era mais prático ter um Ipod com 160 gigas e acabei por desistir… O mais importante é que a família apoia bastante! Felizmente a minha esposa ouve o mesmo tipo de musica. Torna-se tudo muito mais fácil, custa-me a acreditar que outra pessoa percebesse esta "loucura"… Se bem que me diz bastantes vezes que eu exagero!!!”.
A relação de Ivo com os seus discos não esconde grandes segredos ou preciosismos. O ritual resume-se a “ abrir o disco se for novo ou limpá-lo, se for usado, abrir uma boa cerveja e ouvir o disco com toda a atenção que ele merece. Nem sempre é possível por falta de tempo e por vezes chego a casa com uma dezena de discos e não dá para ouvir tudo”. Para além do ritual, Ivo confessa que “o comum a quase todos os discos é trocar as inner sleeves por capas anti-estaticas e proteger os discos com capas de plástico. Isso é mesmo o mínimo a fazer para quem quer preservar os discos em bom estado o máximo de tempo possível. Uma escovinha para o pó é outra coisa essencial”. Quanto à organização da colecção, diz ter discos espalhados em vários moveis! “Há alguns meses comprei um móvel da Ikea para desenrascar, mas também já está quase cheio. Os discos de vinil agora estão mais ou menos por estilos… Hard Rock, Black Metal, Thrash, etc... Os cds de metal por ordem alfabética, os outros espalhados em vários cantos da casa”. A dispersão dos discos faz com que o nosso entrevistado não tenha a noção exacta daquilo que detém, embora aponte para cerca de 2200. Revela que “quando comecei a comprar discos o vinil estava em fase de desaparecer e durante muitos anos só comprei cds, mas nos últimos 5 anos voltei ao bom caminho”.
No meio de tantos e bons discos, Ivo guarda algumas preciosidades que considera essenciais, destacando a “The Wooden Box”, de Enslaved, a todos os niveis. “Primeiro, porque foi uma prenda de Natal do meu melhor amigo. Segundo, porque adoro a banda e terceiro pelo valor da dita cuja!!! Mas existem outros discos que eu que gostava de destacar, simplesmente porque fazem parte dos meus discos preferidos: Candlemass – “Epicus Doomicus Mettalicus”, Satyricon – “Volcano”, Carcass – “Heartwork”, Mercyful Fate – “Don't Break the Oath”, Katatonia – “The Dead End Kings” edição limitada com 2x10" + cd + Dvd, entre outros. Também tenho bastante orgulho da minha colecção de álbuns de metal português apesar de não ser super-completa”.
Ivo assume já ter perdido a cabeça algumas (poucas) vezes no ímpeto de comprar discos. “Normalmente recuso pagar muito por um só disco mas quando compro em quantidade perco facilmente o controlo. Numa feira de discos aqui na Suíça, eu e a minha esposa gastamos 800chf( 650 €) em 3h e se tivesse mais dinheiro comigo, mais tinha gasto. (In)Felizmente não havia multibanco no edifício onde faziam a feira. Ultimamente dei 50 € por um cd dos Ogre – “Dawn of The Proto-Man” no discogs e nem foi para mim….Fã assumido de metal, Ivo esclarece que não nutre um fascínio obsessivo por nenhuma em particular. “Existem muitas bandas que eu adoro mas acho parvo comprar edições sem grande interesse auditivo só para encher prateleiras! Eu acabo por ser mais um comprador de ocasião, se encontrar a bom preço e achar interessante compro, senão dificilmente vou procurar ep's ou bootlegs na internet”. Ainda assim, revela que compra muitos discos e que “só neste ultimo mês comprei uns 30 LPs e uns 24 cds! Ás vezes as coisas descontrolam-se um bocado”, assume!
A busca de discos passa por visitar “uma vez por semana nas várias lojas de usados (cash converters e outros), feiras de rua (no verão), as lojas de discos da cidade. Mas cada vez mais compro na internet, sobretudo no discogs e lojas virtuais. Sinais dos tempos”. Estando na Suiça, até que ponto é diferente a realidade para quem partilha desta paixão pelos discos? “Aqui em Genebra existe uma única loja/bar de metal, mas os preços são exorbitantes! As outras lojas (3 ou 4) acabam por ter o mesmo problema e ainda menos escolha… A Suíça alemã tem muito mais lojas e muito mais escolha, sendo uma das minhas alternativas preferidas para comprar uns discos. A loja da Adipocere em França que fica a cerca de 100km daqui , tem um catalogo imenso… mas evito lá ir porque rebento sempre com a carteira. O "regresso" do vinil está a ajudar bastante as lojas e como o poder de compra aqui é grande, os estragos da internet notam-se menos que noutros países, mas muitas lojas já fecharam… As compras na internet a partir de 50 CHF (40 €) pagam uma taxa ao entrar na Suíça e já me aconteceu pagar cerca de 50 € de taxa numa encomenda da Nuclear Blast. Agora envio sempre para a casa de amigos em França, as despesas de envio ficam mais baratas e no caso da Season of Mist de graça a partir de um valor 50 €”, explica-nos de forma clara.
Comparando à realidade portuguesa, quais as vantagens de ser um colecionador na Suiça? Ivo resolve aguçar-nos a nossa inveja e confessa que “a nível monetário a vantagem (poder de compra) é evidente, a maior parte do pessoal não anda a contar trocos para ir a um concerto e se quer um disco compra-o sem problemas. Depois é claro que há muitos mais discos em circulação, e que se torna mais fácil arranjar certos álbuns antigos”. Quanto ao acesso a concertos, assume que “torna-se muito mais fácil ir aos grandes festivais de Verão. A maior parte das digressões passam por Zurich (cerca de 300 km de Genebra), Basileia (300km) ou Lyon (150km) . E melhor ainda, nos últimos 3 anos começaram a apostar de novo em concertos aqui na região. Em Lausana, por exemplo, organizam o Inferno festival (suisse edtion) e este ano o cartaz foi excelente: My Dying Bride, Aura Noir, Dark Funeral, Primordial, Samael (plays passage)!! e mesmo aqui em Genebra passaram grandes bandas como Nasum, Entombed, Red Fang, Exodus, Suffocation, Septic Flesh, Vista Chino e muitos outros. Um dos momentos altos no entanto, foi Orange Goblin num club em Friburgo com capacidade para 200 pessoas em que estava tudo em delírio e até um anão andava lá no meio!!! Mas a maior diferença é mesmo o dinheiro, as pessoas aqui vão aos concertos mesmo que nem conheçam as bandas e às vezes só para beberem uns copos…. Por vezes o ambiente ressente-se um bocado! O publico Português é bem mais acolhedor!”, admite
Voltando à caça aos discos, Ivo vai tendo os seus dias gloriosos, sendo que “já comprei coisas muito baratas como o “Mental Vortex” dos Coroner em cd por 60 centimos e o “Grin” também em Cd por 3 euros. O “Considered Dead” dos Gorguts por 1 euro! O primeiro LP de Bolt Thrower como novo por 8 euros, o “Tresholds” de Nocturnus por 3 euros e muitos mais. Ultimamente arranjei dois Cds de Loudblast por 80 centimos cada, mais alguns de My Dying Bride, Ulver e Anathema por 1 euro. A melhor compra no entanto foi o LP de Pink Floyd –“The Dark Side Of The Moon” ( Mobile Fidelity Sound Lab) por 80 centimos”.
Preços e achados realmente fantásticos. Mas quanto custa verdadeiramente um disco na Suiça? “ Um vinil novo custa a volta de 35Chf - 29 euros e um Cd 25 chf - 20 euros. Nas lojas grandes tipo Media Markt arranjam-se bons cds a partir de 8€ e muitas novidades por 15€. Nas feiras de rua há um bocado de tudo… sobretudo chungaria! Já encontrei muita coisinha boa, mas sinceramente é preciso paciência e insistir no meio do lixo (Mariahs Careys e Britneys Spears). Agora a Meca para quem gosta de metal é o Metal Börse em Zolfingen, uma vez por ano as melhores lojas e alguns privados juntam-se e fazem provavelmente a melhor feira de discos da Suíça”.
Pergunta difícil para quem anda nestas lides, Ivo tenta apontar aqueles que considera os seus discos favoritos e de alguma forma especiais para si. Eis a lista: Megadeth – “Rust In Peace”, Slayer – “Reign In Blood”, Judas Priest – “Painkiller”, Venom – “Black Metal”, Rainbow – “Rising”, Deicide- “Deicide”, My Dying Bride – “Turn Loose The Swans”, Kreator – “Coma Of Souls”, Candlemass – “Epicus Doomicus Mettalicus”, Morbid Angel – “Covenant”, Heavenwood – “Diva”, Moonspell – “Wolfheart”, Arcturus – “La Masquerade Infernale”, Saint Vitus – “V”, Pentagram – “Relentless”, Carcass – “Heartwork”, Death – “Leprosy” / “Scream Bloody Gore” / “Spiritual Healing” / “Symbolic”, Annihilator – “Alice In Hell”, Ministry – “Psalm 69”, Mercyful Fate – “Don't Break The Oath”, Vader – “Black To The Blind” e tantos outros….
Inseparável dos seus discos, Ivo confessa que quando partiu para a Suiça, inicialmente, levou uns vinte discos essenciais para o seu bem estar físico e psicológico! No entanto, os restantes não tardaram muita a fazerem a viagem Gaia-Genebra. E se num eventual regresso a Portugal já só sobrasse espaço para trazer ou os discos ou os electrodomésticos, qual seria a opção de Ivo? “Os discos, sem dúvida! A única coisa que não é descartável cá em casa são os discos, meia dúzia de filmes e alguns livros. Tudo o resto podia ficar para trás sem qualquer problema de consciência. Ah, e esqueci-me das Living Dead Dolls da minha esposa… ela mata-me”!
Como gostamos de perguntas difíceis, numa situação de extrema na qual o nosso entrevistado fosse obrigado a escolher um e apenas um disco da sua colecção para levar consigo, qual seria o eleito? “Actualmente seria Candlemass – “Epicus Doomicus Metalicus”, apesar de isso estar sempre a mudar… Nos últimos tempos tenho dedicado bastante atenção à discografia da banda, foi fantástico vê-los este ano no Metaldays, onde foram a ultima banda e onde fecharam o festival com a Solitude! Genial!! Mesmo quando até nem gosto muito do actual vocalista”.
Sem ligar demasiado a preciosismos audiófilos, Ivo revela que “neste momento tenho um gira-discos Denon bastante básico ligado a um sistema home video JVC e colunas JVC. Curiosamente até acaba por ter um som bastante razoável. Está planeado comprar um bom amplificador e umas colunas nos próximos dois meses… Mas comigo isso pode demorar um ano ou dois…. “.
Pai de um rapaz de 12 anos, será que o bichinho já passou de pai para filho? “Sim, ele já está agarrado!”, admite. “Cá em casa sempre ouvimos este tipo de musica e quando alguma banda lhe chamava a atenção, perguntava o nome e pedia para ouvir mais! Já tem os cds dos grupos preferidos e pode mexer à vontade nos meus discos porque sei que ele tem cuidado. Agora anda "apaixonado" por Carach Angren (banda que vimos ao vivo recentemente) e Satyricon ( que vamos ver no mês de Dezembro). Aliás, ele já começa a ser um veterano dos concertos, já viu mais e melhores bandas que muita gente grande: Judas Priest, Ozzy, Megadeth 2x, Eluveitie, Katatonia, Rob Zombie, Aura Noir, Septic Flesh, Candlemass, o Metalcamp 2012 e Metaldays 2013!! Somos uma verdadeira metal family!!", confessa entre risos.
Para finalizar a nossa conversa, deixei espaço ao Ivo para explanar aquilo que lhe vai na alma quanto à paixão que partilhamos. “Fico triste quando vejo a forma como as pessoas tratam a musica nos tempos que correm, com a revolução tecnológica mp3 e afins em que a musica é descartável, sem alma e em que a qualidade sonora regrediu. Será verdadeiramente fantástico termos discografias completas de bandas que não gostamos no disco rígido e que nunca na vida vamos ouvir!? Mas pior ainda (na minha opinião) pagar para descarregar um álbum ou uma musica? Sem ter algo de palpável e de real nas mãos? Mas não quero ser negativo, a internet pode ser um instrumento fantástico de promoção para as bandas e para nós colecionadores. Acho que cada vez faz mais sentido ter esta paixão, este vicio saudável e ir contra a corrente. Cá fica o desabafo…”. E fica muito bem, caro Ivo!
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