quinta-feira, julho 10, 2014

Direito à diferença...com Artur Carvalho


Hoje com 35 anos, a paixão do Artur Carvalho pela música e pelos discos já vem de longe “A idade em que comecei ao certo, não sei dizer. Mas sei que antes de esbanjar os meus primeiros salários em música (isto com mais ou menos 16 anos) já “cravava” os meus pais para me oferecerem este ou aquele disco”. E já em tenra idade os seus gostos e as suas escolhas seguiam num sentido: o alternativo.
“Sempre tive uma paixão para tudo o que soava diferente e saía do rebanho do mainstream. Cresci a ouvir muito a rádio e televisão, e o que me fascinava mais sempre foi o lado mais.. chamemos-lhe “diferente” (entenda-se alternativo) da música. Digamos que eu era aquele miúdo lá do bairro que ouvia bandas esquisitas”. Talvez por isso, o seu primeiro disco não tenha sido de uma qualquer banda pop do momento, mas sim de um nome que merecia e merece todo o nosso respeito, nomeadamente o “Violator” dos Depeche Mode. “Pedi aos meus pais para o comprar através do catálogo do Círculo de Leitores. Lembro-me muito bem ainda. Foram horas e dias da minha vida a adorar esse disco. Na altura, lembro-me de estar a ver o catálogo do Círculo de Leitores do qual os meus pais faziam parte na altura e na secção de música ver o “Violator” dos Depeche Mode em vinil. Tendo os meus pais um gira-discos (só tive direito a aparelhagem uns anos mais tarde) nem pensei duas vezes. Pedi-lhes o favor de me comprarem aquele disco. Lembro-me de o receber e para mim aquilo ser a melhor coisa do Mundo. As vezes que ele rodou naquele velho gira-discos... Toda aquela experiência de ouvir o álbum em vinil. Aqueles “clicks” e “pops” da agulha a tocar o vinil, as primeiras notas do “World In My Eyes” que saia pelas colunas. Para mim são memórias que vou guardar para sempre. Realmente só por quem passa por uma experiência semelhante é que sabe qual a sensação.”. Quanto ao último que lhe chegou às mãos, terá sido algo  radicalmente mais alternativo, que é como quem diz “o “Henbane” dos Cultes Des Ghoules, o meu álbum favorito do ano passado” 


Quanto àquele disco especial que falta na colecção, o Artur não tem dúvidas em assumir que “sonho com o dia em que consiga o “Times OF Grace” dos Neurosis em vinil. Foi um dos primeiros CD’s que comprei. Além de ser um dos melhores álbuns de sempre dentro do género, possui um som muito único que adoro. Os preços a que encontramos a edição em vinil à venda, por exemplo no Discogs, é de loucos. Mas tenho esperança que um dia ou me saia o Euromilhões ou algum maluco se veja à rasca e o ponha por tuta-e-meia no Discogs à venda”

Dissecando o percurso do Artur em relação à música e à importância que esta assume na sua vida, conta-nos que “o meu primeiro contacto com a música começou logo em casa. Os meus pais tinham uma vasta coleção de discos (na altura tinham bastantes singles de 7’’) e eu na altura achava bastante piada aquele ritual de colocar aqueles círculos pretos com um buraco no meio e pô-lo a rodar naquele aparelho. Como era ainda uma criança, ouvia repetidamente os discos que os meus pais tinham. Coisas como “Os Grandes Clássicos da Música Italiana”, “Os Grandes Clássicos da Música Francesa” e até mesmo fado. A minha irmã mais velha também ajudou um pouco neste percurso pois já ouvia coisas como The Cult, Faith No More e Guns N’Roses entre muita coisa meio lamechas à mistura (ela nunca me vai perdoar por ter gravado Megadeth por cima da cassete da banda sonora do Dirty Dancing) mas o facto de mesmo em casa estar rodeado de pessoas com um gosto natural pela música, foi logo desde cedo para mim, um grande impulso. A partir dali e à medida que fui crescendo, a música começou de uma forma muito rápida a entrar na minha vida e a acompanhar-me onde quer que fosse. A partir dali era impossível viver sem ela”


Tendo sido bafejado pela sorte de crescer numa época na qual a rádio ainda assumia um papel preponderante na educação musical das pessoas, Artur assume a importância de “estações como a antiga XFM (indiscutivelmente a melhor rádio que já existiu em Portugal) que por vezes passava as “Peel Sessions” do grande John Peel, a Rádio Energia através do programa “Johnny Guitar” apresentado pelo Henrique Amaro e Zé Pedro e claro, a Antena3 e o “Hipertensão” com o António Freitas que me apresentou a inúmeras bandas e estilos já dentro do metal. Lembro-me de gravar várias das músicas que passava nesses programas de rádio e fazer as minhas próprias mixtapes e usar as cassetes até a fita se partir inúmeras vezes. A TV também contribuiu um pouco. Com o “Pop-Off” por exemplo, onde vi o primeiro clip de Obituary e na altura pensar; “Mas que cena é esta??” e programas como o Headbanger’s Ball como é óbvio, foram grandes fontes de novos conhecimentos. Mas pronto, com o passar dos anos, esse gosto foi ficando cada vez mais apurado e enraizado dentro de mim.”

E como é que aqueles que rodeiam o nosso entrevistado encaram e lidam com esse gosto? “No meu local de trabalho, sempre que recebo um daqueles pacotes quadrados ainda fazem comentários do tipo; “Outro??” e “Mostra lá o que mandaste vir!” e a reacção espelhada na cara deles é de desilusão, como se esperassem que daquele pacote fosse tirar um LP de um artista familiar para eles. No entanto sai mais um: “Portal?? Que raio de nome é esse?” A minha esposa, por um lado, ao início (e como não partilha esta paixão que tenho) chateava-me um pouco a cabeça mas a esta altura creio que já se habituou. Entre isto e o meu guarda-fato cheio de tshirts pretas (deve haver muita boa gente aí fora que compreende isto), acho que ela prefere os vinis. Ela reconhece que é algo que gosto bastante. Até demais!! Como costuma dizer (risos).” E se um dia a sua esposa o confrontasse com a seguinte situação: Ou eu ou os discos!. Qual a paixão que falaria mais alto? “Aí mandava os discos à vida. Vendia-os por uma pipa de massa no Discogs (risos)”


Quanto a rituais em torno dos discos, quais os que mais prendem a atenção do Artur? “Como sou designer gráfico, talvez tenha uma sensibilidade maior no que toca ao artwork. Dou atenção ao tipo de papel usado na gatefold, o artwork, tipo de impressão ou acabamentos utilizados. Por isso ainda perco ali uns bons minutos antes de meter a “rodela” a tocar. Geralmente a primeira audição faço sempre com auscultadores. Porquê? Porque não quero perder nenhum pormenor e assim faço-o com mais atenção”. E quanto a cuidados e manias? “Devo confessar que sou um indivíduo bastante “picuinhas” com os meus pertences, assim como sou com o que é dos outros, quando alguém me empresta qualquer coisa por exemplo. Não pratico nenhum tipo de limpeza especial. Basicamente procuro guardar os discos, cassetes e cd’s em locais em que não haja muita humidade ou calor. Guardo os discos na vertical, claro e coloco em redor daqueles saquinho de sílica, sabes? Estou a ser picuinhas demais? (risos)” Nada disso, caro Artur! Até porque no que diz respeito à organização da coleção, há quem leve as coisas bem mais ao pormenor. “Não uso nenhuma fórmula em particular. Divido-os por tipo (vinil, Cd’s e cassetes). Á medida que chegam, vou arrumando-os. Por isso podes dizer que é por ordem cronológica”.

Mas deixemo-nos de teoria e vamos a factos. Quantos discos fazem parte do espólio do nosso entrevistado? “Hmmm... actualmente um pouco mais do que uma centena. Para te ser sincero a esta altura não sei quantos tenho ao todo. Tenho muitos vinis, cassetes e cd’s que se dividem entre a minha casa, a dos meus pais e a minha arrecadação (riso). Mas de algum tempo para cá que tenho adquirido essencialmente apenas em formato vinil ou cassete. Não por moda, atenção. Mais porque foram peças com as quais cresci e recentemente deu-me este sentimento nostálgico de voltar a sentir a música desta forma. Um CD, coloco no computador, ripo as faixas para mp3 e fica depois esquecido numa prateleira. Com o vinil ou mesmo a cassete há outra interação, outro ritual”.


E, no meio da colecção, haverá algo que mereça especial destaque, seja pelo afecto que representa, seja pelo próprio valor comercial ou em termos de raridade? “Neste momento não tenho assim nada muito exuberante. Provavelmente, de tudo o que tenho, destacaria a cassete split de Wylve e The Rain In Endless Fall em que já vi uma cópia (das 33 que foram produzidas) à venda no Discogs por cerca de 150€. Já recebi inúmeras mensagens por lá de pessoas a aliciarem-me para lhes a vender. A cassete vem numa caixa de cartão toda ela feita à mão que inclui pequenos ramos de roseira, com direito a espinhos, no interior. Não é uma muito boa ideia quando se junta uma cassete lá pelo meio, mas enfim. Não deixa de ser um item de colecção bastante interessante e único”

E quanto às bandas ou artista que merece especial atenção por parte do Artur, daquelas que ambicionamos ter tudo e mais alguma coisa? “Ufff... há várias que gostaria de ter mas sempre que penso investir em mais uma dessas peças para a colecção há sempre outras coisas igualmente interessantes que acabam por desviar a minha atenção. Confesso-te que não sou capaz de ter o mesmo álbum 7 vezes só porque cada um vem numa cor do arco-íris. Mas para responder à tua questão de uma forma directa: Não tenho nenhuma colecção fechada até à data. Mas se pudesse gostava de ter uma colecção completa de Thou, Amenra ou mesmo Depeche Mode por exemplo”

A Terra continua a girar e a colecção do Artur continua a crescer, mas a que ritmo? “Num bom mês, cerca de 2/3 discos, com algumas cassetes pelo meio”. E quais as suas fontes de eleição? “A minha loja é a internet. Deixei de ir a lojas físicas há muito tempo. A única loja onde costumava ir há muitos anos atrás era a Carbono, pois era a única que tinha os géneros que eu procurava. Hoje em dia, compro tudo à distancia de um click. Posso estar em casa relaxado a procurar os álbuns que quero com calma, comparar preços, etc. Actualmente temos bons sites, além das centenas de boas editoras, distros, etc, como o Discogs e o Bandcamp onde podemos adquirir o que procuramos”


Passando à sempre complicada pergunta dos discos de eleição, daqueles que devemos ouvir pelo menos uma vez na vida, quais os do Artur? “Bem, é uma tarefa bastante árdua. Por um lado existem aqueles álbuns clássicos mesmo do tipo do “100 Álbuns Que Deve Ouvir Antes de Morrer” e por um lado muita música nova interessante que tem vindo a aparecer no panorama da música mais pesada. Vou tentar dividir aqui um pouco os dois. Há álbuns como o “Anthems To The Welkin At Dusk” dos Emperor que é provavelmente um dos meus álbuns de Black Metal favoritos e que ainda hoje em dia o oiço bastante, esse sem dúvida recomendo. O “Ænima” dos Tool, um álbum marcante, perfeito em todos os sentidos. Como não podia deixar de ser e, desculpem lá mencionar novamente este álbum mas nunca é demais, o “Times Of Grace” de Neurosis que para mim é um álbum com uma intensidade brutal, um som bastante único que nos transporta para outra dimensão. E que para mim representa a melhor fase da banda. Destaco também uma grande masterpiece do death metal, o “Heartwork” dos Carcass é sem dúvida daqueles “must-hear”. Outro que apesar de actualmente não ser grande fã mas que sinto que tenho aqui deixar referência é o “Filosofem” de Burzum. Ainda me lembro da primeira vez que ouvi o “Dunkelheit” que para mim é a faixa que melhor representa o género black metal pela sua atmosfera absolutamente fria e sinistra. Este álbum representa para mim, a verdadeira essência do black metal. Actualmente existem também excelentes registos que já podem ser considerados como um clássico e uma referência para as gerações vindouras. Olhando para um passado recente posso indicar para alguns dos meus álbuns favoritos e que recomendo bastante: O “Henbane” dos Culte Des Ghoules, uma parafernália de black metal completamente embriagada em misticismo e magia negra é um dos grandes álbuns que saíram no ano passado. O “Grave Ekstasis” (do qual me orgulho de possuir uma cópia da longa esgotada cassete) dos Irkallian Oracle é um dos álbuns mais intensos dentro do panorama death metal e muita atenção, pois estes senhores ainda vão dar muito que falar. O “Blood Geometry” de Elysian Blaze, um álbum de proporções épicas que dura mais de duas horas e vem numa edição não de um nem dois mas três(!) vinis. O álbum de estreia dos Lychgate foi um dos que despertou também a minha atenção, muito bom. Olhando para o meu top do ano passado posso destacar também nomes como Carpe Noctem, Wormlust, Paysage D’Hiver, Fyrnask (que lançou numa edição lindíssima o seu último LP), Cosmic Church, Beastmilk, entre muitos outros. Coisas deste ano já? Tenho a apontar os álbuns de Thantifaxath, Thou, Harassor, Sun Worship, entre outros. Andam aí muitas bandas a fazer música muito interessante. Basta estar atento e explorar, explorar”. Lanço um desafio ao Artur: numa situação extrema és obrigado a escolher um e apenas um disco da tua colecção para levar contigo. Qual seria o eleito? “Sem pestanejar. O “Violator” dos Depeche Mode. Por considerar talvez que este é o melhor álbum da banda e pelo valor sentimental que possui para mim”


Quanto ao lado audiófilo do “nosso” Artur, confessa-nos que “não sou nenhum “geek” ou o “ubber” audiófilo nesse campo. Claro que dou atenção aos gadgets que possuo, procuro sempre que tenham alguma qualidade. Não sou desses audiófilos que vivem mesmo “a cena” ao ponto de querer ter o último modelo “xpto” deste gira-discos, colunas ou amplificador ao ponto de gastar rios de dinheiro em material. Até porque nem tenho assim possibilidades para isso. Tenho outras prioridades. Mas se pudesse, lógico que investia nesta minha paixão”


Homem com uma especial predilecção pelo vinil, Artur assume que “a música é algo que sempre me acompanha ao longo dos dias, há sempre esta ou aquela música que nos faz lembrar bons ou maus momentos. Quando adquiro um vinil por exemplo, porque não compro o CD? Porque gosto de facto da peça em si, de todo o ritual que passa por receber a encomenda até chegar a casa, tirar o disco da sleeve e gentilmente colocar a agulha do gira-discos deixando aquele som maravilhoso fluir. Embora muita gente hoje em dia olhe para o vinil e o encare como uma “moda”, o certo é que ele nunca desapareceu e graças a Deus que voltou em força embora como consequência disso os preços tenham subido, para não falar dos portes de envio para quem, como eu, compra discos online. Acho que as editoras e mesmo até as bandas deviam ter isso em consideração, não querendo desvalorizar todo o seu trabalho mas mais vale vender 50 discos por 10€ cada do que 2 a 30€, entendes?”. E de que maneira!

1 comentário:

Unknown disse...

Muito obrigado Ricardo por me teres dado esta oportunidade. Fico bastante feliz por ver finalmente (e ler) esta tua entrevista à minha humilde pessoa. Long live Music! Um abraço