sexta-feira, setembro 14, 2007

em entrevista...BEFORE THE RAIN

Quando o doom metal parecia algo moribundo no nosso país, eis que em poucos meses surgem duas agradáveis e encorajadoras surpresas. Se «Renounce» - o álbum de estreia dos Process of Guilt – revelou algo de inovador dentro do estilo, «…One Day Less» - a estreia dos Before the Rain aponta para uma veia mais tradicional do estilo, embora não menos interessante. O Opuskulo quis dar o devido destaque a esta excelente banda e para tal falou com o baixista Pedro Daniel.

Remontando as raízes da banda a 1997, qual a sensação de 10 anos depois ver o primeiro álbum finalmente editado? Foi um percurso penoso?

Sejam 10 anos, sejam 10 meses, é sempre gratificante ver o esforço do nosso trabalho editado e a chegar às pessoas, mas, como já foi dito noutras circunstâncias, os [BeforeTheRain] não levaram 10 anos a lançar um primeiro álbum, mas sim, parte desse tempo a criar as condições para tal acontecer. Acho que há uma diferença importante nesses dois princípios. A progressão natural de uma banda passa por compôr, ensaiar, gravar e lançar um álbum (e depois promovê-lo), mas para isso acontecer tem de existir efectivamente uma banda. Tal só aconteceu, de forma estável, em finais de 2004. Até então, tinham passado literalmente dezenas de pessoas pela formação, por periodos muito efémeros, e pelos mais diversos motivos. A partir do momento em que o presente conjunto de pessoas começou a trabalhar em uníssono, foi apenas uma questão de tempo até termos um álbum pronto a gravar e a lançar.

Começaram por ser uma banda acústica mas sentiram a necessidade de enveredar por uma veia digamos mais “tradicional” do doom metal. Acham que a música acústica não se pode considerar doom, pelo menos em termo da carga emocional e melancólica associada ao estilo?

A fase acústica da banda remonta a um período em que a formação se limitava ao Carlos e ao Valter. A mudança do formato acústico para o formato eléctrico verificou-se apenas porque se chegou à conclusão que eram necessárias mais ferramentas sonoras para aquilo que que se queria fazer. Mas como tudo, essa foi uma mudança natural e progressiva. Não houve uma decisão sumária para isso acontecer. No entanto, o “...One Day Less” combina, para além do tema totalmente acústico “Paragraph”, diversas passagens que não tendo sido gravadas nesse formato, utilizam guitarras limpas em ambientes musicalmente muito introspectivos. Essas são as raízes de [BeforeTheRain] e creio que de uma forma ou de outra irão estar sempre presentes na nossa música.

Este disco conta com a masterização de Thomas Eberger. Como foi contar com a colaboração de alguém que já trabalhou com algumas bandas que provavelmente fazem parte das vossas principais referências? Revolucionou o trabalho de uma forma que não conseguiam alcançar em Portugal?

Penso que o trabalho do Thomas no “...One Day Less” veio sobretudo reforçar o que já estava feito de forma muito competente com a captação e mistura, trabalho esse levado a cabo pelo João Bacelar (e pela banda). Ao contrário do que se passa com a mistura, em que se pode incutir um cunho completamente diferente dependendo do produtor, as “fórmulas” de masterização não variam muito. Quem tenha tido a possibilidade de comparar directamente a versão não masterizada com a versão final iria certamente perceber as diferenças, e é aí que a reputação do Thomas é efectivamente comprovada. Teria sido magnífico poder contar com ele na fase de mistura, mas a crua realidade é que não existiam condições para tal acontecer. Existem estúdios e produtores em Portugal onde conseguiríamos um resultado aproximado, mas penso que foi interessante termos alguém com o historial do Thomas a interagir com o nosso trabalho.

Os Process of Guilt recorreram aos préstimos do mesmo produtor no seu álbum de estreia. Tendo em conta as relações de proximidade existentes entre as duas bandas suponho que terá tido influência na vossa decisão?

Naturalmente que a excelente referência trazida pelo “Renounce” foi relevante no processo de escolha, mas, respondendo o mais friamente possível, creio que a influência mais forte foi mesmo o orçamento disponibilizado pelo CuttingRoom. Pedimos valores a vários estúdios de renome, no entanto o CuttingRoom acabou por ser a escolha óbvia.

Se juntarmos «…One Day Less» à já referida estreia dos Process of Guilt, acham que o doom está a recuperar o fôlego em Portugal que parecia algo perdido nos últimos anos?

Não creio que alguma vez tenha havido um grande movimento Doom em Portugal, isto comparando directamente o género em causa com outros estilos como Black ou o Death Metal, mas também penso que enquanto corrente de expressão, o Doom nunca será, felizmente, hype. É no entanto curioso constatar que o percurso de duas bandas que são próximas, devido à partilha de elementos, as levaram a lançar os respectivos álbuns de estreia pela mesma editora, e num curto lapso de tempo, mas creio que isso é mais uma anomalia cósmica, que pode ser vista como uma feliz coincidência, do que propriamente o indicador de uma tendência.
Existem várias bandas Doom em Portugal, com percursos muito válidos, umas já extintas e outras ainda em actividade, e de uma forma ou de outra o fôlego que referiste nunca deixou de existir. Quanto muito um estado de hibernação cíclico.

Pessoalmente considero que ambas as bandas reuném requisitos mais do que suficientes para um sucesso além fronteiras e para uma carreira bastante positiva. Sentem isso ou adoptam uma postura mais reticente?

Queremos sempre sentir que a nossa arte poderá chegar ao maior número de pessoas possível, e estamos a apontar os nossos esforços nesse sentido. O sucesso além fronteiras é sempre algo muito relativo, porque não basta ter meia dúzia de pessoas no MySpace a dizer que a nossa música é boa, ou mesmo umas quantas reviews encorajadoras (não menosprezando o valor que tal possa ter). É necessário um suporte promocional enorme e uma rede de distribuição forte o suficiente para “furar” a densidade do mercado, e bem vistas as coisas, isso não se consegue da noite para o dia, com um álbum e uma demo. A nossa atitude presente é de um “entusiasmo reservado”. Estamos satisfeitos com o álbum, foi um processo longo e complicado, pelos motivos que indiquei acima, estamos também satisfeitos com o trabalho e o apoio que a Major Label Industries nos tem dado. Para todos os efeitos, a promoção ao vivo do “...One Day Less” começará no final de Setembro, com os concertos “An Evening Before The Rain” em Lisboa e Porto, e o futuro mostra-se risonho...

Já agora, há alguma estratégia delineada em termos de projecção internacional do álbum? Que reacções vos têm chegado?

Ainda é um pouco cedo para reacções. O álbum saiu a 30 de Julho, e como tal as edições de Agosto dos príncipais veículos de media nacionais e internacionais não conseguiram responder a tempo. O feedback pontual que nos tem chegado por diversos meios tem sido muito positivo, e durante Setembro saberemos efectivamente mais. A editora tem alguns parceiros de peso em termos de distribuição internacional, como a The End Records, a Firebox ou a Prophecy, e creio que esse é o primeiro passo para dar alguma credibilidade ao lançamento.

Voltando a falar de Process of Guilt, a vossa sonoridade entra por uma veia mais tradicional, mas não menos interessante, do doom metal. Que argumentos congregam na vossa sonoridade que vos possa distinguir de bandas semelhantes?

Penso que não cabe a nós defender esse argumento, e nem sei se existe realmente a necessidade de o fazer. Se “...One Day Less” porventura soa a um registo mais tradicional ou clássico de Doom Metal, tal aconteceu porque tinha de acontecer e não porque planeámos conscientemente fazer algo assim. O “...One Day Less” é sobretudo o fechar de um ciclo para a banda, e provavelmente o próximo registo vai soar categoricamente diferente, mas essa diferença tem de acontecer de forma natural, e não porque assim se decide. A Arte, no seu geral, deveria ser isenta da necessidade de argumento, especialmente do próprio artista, ou neste caso, a banda.

Tocaram recentemente ao lado de Moonspell e Kreator, possivelmente a oportunidade que tiveram para expor o vosso trabalho perante uma plateia mais vasta. Como foi essa experiência?

Penso que a expressão é mesmo “Experiência”. Tivemos desde início a noção que, tendo em conta a natureza sectária do underground, que seríamos, juntamente com F.E.V.E.R., uns “fish out of the water”. Tirando algumas falhas no som (devido a alguns atrasos na logística que nos obrigaram inclusive a reduzir o set em 10 minutos), a actuação propriamente dita correu bem, e foi muito interessante poder partilhar um palco (especialmente o do Coliseu do Porto) com dois headliners monstruosos. Penso que “atingimos” quem tínhamos de atingir, e dado o número de pessoas que nos abordaram após o concerto, o saldo é mais do que positivo.

O que podemos esperar dos Before the Rain a curto/médio prazo?

O nosso objectivo presente visa a promoção ao vivo do “...One Day Less”, o mais possível, mas existe um desejo comum de começar a explorar algumas das ideias que já surgiram, para o próximo registo.

Últimas palavras, lamentos ou pensamentos…

Oiçam música com a abertura de espírito e dignidade que merece, seja ela qual for.

Peace

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