quinta-feira, janeiro 08, 2009

em entrevista...THERIOMORPHIC

Referência incontornável do panorama death metal português, os THERIOMORPHIC chegam ao sempre complicado segundo álbum com uma vitalidade e força invejáveis. «The Beast Brigade» apresenta-se como um disco mais negro comparativamente à estreia «Enter the Mighty Theriomorphic» sem, no entanto, perder em qualidade e tenacidade. Jó, o eterno líder da banda e uma figura emblemática do nosso underground, continua às rédeas desta besta de peso, melodia e agressividade, revelando-se igualmente um afável interlocutor com o qual o Opuskulo tem o máximo prazer partilhar algumas ideias.
«The Beast Brigade» surge como um todo mais negro e obscuro quando comparado com o vosso álbum de estreia. Concordas? Alguma razão especial para isso?
Concordo, mas é algo que surgiu naturalmente. Tanto em termos de letras, como de música, aquilo que vivemos e o que nos rodeia têm a sua influência, porque a música é uma forma de libertarmos o que vai dentro de nós. Vivemos tempos difíceis e isso fez com que o álbum saísse assim. Também a parte gráfica contribuiu para isso, penso eu. As ilustrações dão uma obscuridade que não se sentiria só com a música. Desta vez, houve um acompanhamento maior nesse aspecto, porque fui trocando ideias com o Micky e explicando o que pretendia. Ele já gostava de Theriomorphic e apresentou a sua visão das criaturas do primeiro álbum. Enviei-lhe algumas letras, inicialmente, para ele fazer os primeiros esboços e depois os temas, quando já estavam gravados, e ele fez algumas das ilustrações depois de já conhecer a música. No final, acho que foi uma excelente combinação.

Contam com alguns convidados neste disco. Podes elucidar-nos melhor da importância dessas participações?

Estávamos a preparar temas para o álbum com o Cláudio, quando, a dada altura, tivemos que pensar em sair do local onde ensaiávamos, e onde ele já tocava antes com os Sannedrin. As coisas não estavam a funcionar bem, devido à disponibilidade de cada um e à distância a que a maior parte de nós estava. Como ele tinha despesas com aquele local e era complicado estar a pagar outro, esteve para sair da banda. Concordou em gravar o álbum, que tinha mesmo que avançar, para não estarmos a perder meses recomeçando tudo com outra pessoa. Dois dos temas, “Dark Sky Above” e “The Necroid”, já tocávamos desde 2005 e, quando ele entrou, a preocupação maior foi com temas ainda incompletos, ou que estavam a sofrer pequenas adaptações, e esses dois foram ficando de parte. Até à gravação também não conseguimos arranjar forma de ele os aprender. Como seria trabalhoso e moroso fazê-lo na altura de gravar, lembrámo-nos de convidar o Sid para os gravar. Foram os primeiros temas que escrevemos com ele. O primeiro álbum estava composto, excepto os solos e alguns arranjos da sua autoria, e sabíamos que ele gostaria de deixar algo em que tivesse participado criativamente. “A Final Journey” é um tema mais antigo que não tocávamos desde 2001, ou coisa parecida. Nesse caso, nem o Sid o sabia tocar. O Zé era para gravar as guitarras todas, mas lembrámo-nos de convidar o Hugo, o nosso produtor e um óptimo guitarrista, para o gravar e ainda mais dois leads, noutros dois temas gravados com o Cláudio. O Hugo tinha-se disponibilizado para gravar guitarras, caso o Cláudio não participasse na gravação, e foi uma forma de ele também deixar o seu cunho neste álbum. No fundo, éramos 3 membros naquela altura, e o próprio Cláudio também era praticamente um convidado, havia essa liberdade de convidar quem quiséssemos. Foi uma forma de simplificar o processo de gravação, porque o prazo era relativamente curto, mas também de agradecer ao Sid e ao Hugo por aquilo que já tinham feito por nós. Em relação a vozes, “A Final Journey” era um tema para o qual sempre tive uma pessoa em mente, desde há anos, mas acabou por não ser possível fazê-lo naquela altura. O W, dos Decayed, é um velho amigo, já se tinha falado em ele participar num tema, em concerto, e lembrei-me de o convidar. O Paulo, dos Shadowsphere, tinha estado a assistir a um ensaio, onde ainda fez umas vozes, por brincadeira, e o André sugeriu que ele participasse num tema do álbum, que acabou por ser “Flesh Denied”. Há outros dois temas em que participam ambos, mas são apenas 4 ou 5 palavras em cada, com as vozes deles em simultâneo. Tinha até mais umas ideias para vozes mas, com a rapidez com tudo teve que ser feito, acabámos por não ter tempo de pensar melhor nisso.

De que forma as mudanças de formação verificadas ao longo destes últimos dois anos influenciaram o resultado final deste novo disco? Há uma efectiva participação dos restantes elementos no processo de composição dos Theriomorphic?

No que toca ao resultado final, todos acabam por ter a sua influência, obviamente. O André, como baterista, não participa propriamente com riffs, embora haja um tema neste álbum em que um riff surgiu de uma parte de bateria, mas ajuda a moldar e estruturar os temas. Normalmente, trabalhamos os temas em conjunto, a partir de riffs isolados que vão surgindo a um ou outro membro. Eu tenho alguns riffs que me vão surgindo e o Zé, como sempre, contribui com grande parte das ideias. A maior parte dos temas foram feitos com o Sid ainda na banda, há alguns riffs dele e algumas partes mais orientadas para solos relativamente longos. Noutros, o Cláudio já participou e há temas com riffs de ambos, que estavam incompletos quando ele se juntou a nós. Aliás, a participação dele foi fundamental para completar esses temas, porque estávamos a ter alguma dificuldade em fazê-lo. O Sid tinha gostos muito diferentes e, se por um lado isso nos permitiu ter alguns resultados excelentes, por outro, também havia uma certa dificuldade em se encontrar o ponto de equilíbrio entre os gostos de todos. Sempre nos habituámos a ter uma maior sintonia na composição e era frequente fazer-se um tema em um ou dois ensaios, a partir de uma ideia que surgia. Com o Cláudio, senti que voltou a haver esse tipo de entrosamento em termos de gostos e as coisas pareceram voltar a sair mais fácil e espontaneamente. Durante as gravações, ele manifestou vontade de continuar a trabalhar connosco e de se tentar encontrar uma forma de conjugarmos os ensaios, e, embora já tivéssemos começado a abordar outros guitarristas, a sua permanência fazia todo o sentido. Vamos ver o que vem aí, já que acabámos por não compor ainda muita coisa com ele.

Apesar do sucesso do primeiro disco não surgem vinculados a nenhuma editora com alguma dimensão. Foi mera opção da banda ou simplesmente não surgiu qualquer oportunidade?

Opção, não foi. Sou eu que acabo por tratar de tudo o que envolve a banda e, como o tempo e a cabeça não dão para mais, é difícil andar em contacto com editoras. Tentámos algumas, mas com a dificuldade crescente que há em investir em CDs, e a quantidade de bandas que surgem de todos os lados, não é fácil. Acabou por surgir a possibilidade desta edição e resolvi avançar, para não estarmos indefinidamente à espera de algo melhor, que poderia nem aparecer, ou levar mais alguns meses.

Há algum plano para uma edição internacional do disco? Que reacções vos chegam lá de fora?



Para já, ainda não há planos. Gostaria, pelo menos, de conseguir alguém interessado em editar este ou o primeiro álbum em vinil. As reacções de fora, neste momento, ainda só são relativas ao “Enter The Mighty Theriomorphic”, estou a enviar algum material e a negociar umas trocas com alguma editoras, dentro das minhas limitações, mas as críticas ainda não começaram a aparecer. Penso que em breve haverá uma divulgação mais intensa, com alguma ajuda que devo ter. Só então poderei comentar. Se forem reacções tão boas como algumas relativas ao anterior, será óptimo.

Voltam a trabalhar com o Hugo Camarinha na produção. É um voto de confiança em mais um produtor português, o que não deixa de ser importante…
Sim, é um bom profissional e um velho amigo, o que para nós foi fundamental. Acho que deveria haver mais gente a pensar em trabalhar com ele. Vale a pena, não só pela qualidade do resultado, mas pelo rigor que impõe. E isso sobressai, não só nos nossos álbuns, mas também nos dois últimos de Decayed, no de Bleeding Display e, mais recentemente, nos EPs de Undersave e Sannedrin. Está na moda gravar com o Daniel Cardoso, que é um excelente produtor e por quem tenho grande estima, mas penso que algumas bandas vão mais à procura do nome dele, para ostentar na publicidade, tipo selo de garantia, do que daquilo que realmente pretendem ter, em termos de sonoridade e identidade. Acabam por não se aperceber que há outros bons profissionais cá em Portugal, com quem se pode obter um resultado com qualidade superior e sem o risco de se repetir o que já aconteceu antes noutros estúdios, em que começam a surgir várias bandas com produções semelhantes, porque, por vezes, elas próprias não têm uma ideia bem definida de como querem soar.

Em termos de conceito por onde se move «The Beast Brigade»?

Pelos mesmos trilhos que toda a música que fazemos. Há uma certa ligação entre os três primeiros temas do álbum, “Rise Of The Theriomorphic”, “Dark Sky Above” e “The Beast Brigade (part I)”, que também estão relacionados com a própria banda, em certo aspectos. No entanto, isso surgiu naturalmente nas alturas em que foram compostos, não houve qualquer intencionalidade. Na altura de definir o alinhamento é que se tornou mais óbvio que deveria haver uma sequência com eles. A haver um conceito, é proveniente de uma mesma forma de ver o mundo que nos rodeia, por isso há sempre uma certa relação entre todos os temas, não só os deste álbum e do primeiro, mas também todos os outros que fizémos e os que ainda faremos.

Quem compõe a «Beast Brigade»?

Eu, ou tu, ou todos aqueles que se identifiquem com ela, de alguma forma. Acaba por ser um seguimento do tema “Theriomorphic”, do primeiro disco, onde se exalta a existência do Homem como produto de uma evolução e não de uma criação divina. É o Homem sem deuses ou religiões, livre de preconceitos, com o (perigoso) poder de decidir o seu destino e, até, o do nosso planeta e de todos os outros seres vivos.

Como encaras o actual estado do movimento underground português? Achas que finalmente estão reunidas as condições para que as bandas portuguesas evoluam em termos de reconhecimento e de qualidade?

Acho que ainda não, sinceramente. Parte tudo da necessidade de haver um verdadeiro movimento em que as bandas se apoiem umas às outras, remando no mesmo sentido. Há sempre bandas que têm problemas com outras, seja por não tocarem o mesmo género, ou porque não se gosta do que determinada banda toca, ou por questões mesmo mesquinhas, em que é mais fácil dizerem todos mal uns dos outros sem perceberem que, na verdade, isso nem é benéfico para eles mesmos. Enquanto não houver a noção de que tem que haver um respeito e um interesse comuns, não sairemos do mesmo buraco onde estamos há anos. É um facto que a nossa posição geográfica e a falta de apoios neste país são grandes obstáculos, mas julgo que um esforço conjunto poderia fazer muito por mudar o rumo das coisas. Simplesmente, ninguém está verdadeiramente interessado em lutar por essa mudança. As poucas bandas que se conseguem alhear disso e conseguem lançar por editoras lá de fora, continuam a ser casos esporádicos, nada que indique que realmente haja um despertar de atenções para o bom Metal que se faz em Portugal. Se virmos, que apesar das várias iniciativas por todo o país, é sempre uma festa quando se tem mais de 50 ou 100 pessoas a ver um concerto, mesmo com algumas bandas estrangeiras, e que quando vêm cá os Metallica saem milhares da toca, incluindo os que não gostam deles, facilmente se percebe que não há, de facto, um movimento digno desse nome. Quando se vê que bandas portuguesas, abrindo ou não concertos de bandas estrangeiras, tocam para salas praticamente vazias porque para muita gente o que realmente importa é o preço e a quantidade de cerveja que se bebe, mais se percebe que realmente estamos muito longe de lá chegar.
Funcionando como uma contra corrente ao advento tecnológico que a Internet possibilitou, começa a sentir-se um certo regresso a formatos tradicionais como a demo tape ou o vinil. Sentes isso? Qual a tua opinião? Como encaras a relação Internet/Música/Underground?


É uma relação um pouco perigosa. Claro que poderá ser um instrumento muito útil de divulgação, quando usado de forma responsável. O que se nota é que, para muita gente, é apenas uma forma de sugar quantidades enormes de álbuns à borla, e poucos percebem que também é preciso contribuir para que as bandas e editoras tenham condições de continuar a gravar e editar. No concerto de apresentação, vendemos 11 discos. No dia seguinte, sem haver ainda a possibilidade de se encontrar o disco à venda sem ser através de nós, e sem ter havido cópias promocionais que alguém pudesse ter disponibilizado na Internet, o álbum estava em vários blogs, com links para download, inclusivé da Rússia, Chile e outros países do género. Atendendo a que lá constavam links para o site ou o myspace da banda, poderia haver quem facilmente nos contactasse para adquirir o CD, se o quisesse, mas o facto é que os únicos contactos foram de pessoas que já conheciam a banda anteriormente e que já aguardavam pela edição para o poderem comprar. O espertalhão ou espertalhões que espalharam o álbum, sem o nosso conhecimento ou consentimento, poderão aliviar as suas consciências dizendo que agora o nosso reconhecimento lá fora será muito maior, mas eu não sinto grande orgulho em saber que esse “reconhecimento” se traduz em alguns megabytes de espaço em disco ocupados em vários computadores, mundo fora, quando grande parte das pessoas provavelmente nunca o ouviu, alguns ouviram um ou dois temas sem prestar qualquer atenção e só muito poucos podem realmente dizer que conhecem o álbum. E desses poucos, nenhuns manifestaram interesse em saber como adquirir uma cópia original, até agora, por isso continuo a preferir aqueles que o compraram, alguns praticamente sem o terem ouvido, do que os que ouvem sem o comprar. Há quem tente comparar com o tape-trading que se fazia há uns anos, mas nessa altura, havia investimento nas cassetes, nos portes de correio, e quando se conseguia encontrar os discos originais fazia-se o possível para os comprar. E acho que havia maior preocupação em se ouvir e em conhecer as bandas. Agora, até isso é cada vez menor, interessa é sacar tudo e mais alguma coisa, sem se ouvir ou conhecer quase nada. Por isso é que as bandas dão importância ao merchandise, ao vinil e às cassetes. Porque não se podem sacar de borla da net. Mesmo no caso das cassetes e do vinil, que se podem passar para mp3, é algo que requer mais trabalho, mais tempo e nem todos o sabem fazer, logo, não se espalha tão facilmente. Eu também já tinha pensado em editar o álbum em vinil e cassete, sem ser tanto por causa desta questão da Internet, mas mais porque são formatos menos vulgares e que para algumas pessoas ainda despertam interesse, principalmente por coleccionismo. Enquanto não havia previsões para a edição em CD, pareceu-me ser uma forma interessante de lançar o álbum e eventualmente chegar a algumas pessoas a quem o CD poderá passar ao lado. A edição em cassete concretizou-se através da Praise Unholy Records, como lançamento de estreia da editora. Apesar de não ser uma edição profissional, tem os temas todos e é mais barata, por isso também desperta algum interesse. Até houve quem comprasse as duas versões, em CD e cassete. Também estou a pensar numa edição do primeiro álbum em cassete, vamos ver se isso acontece para breve...

Quais os planos para os Theriomorphic a curto prazo? Digressão nacional?
Uma digressão, é sempre algo subjectivo. Na prática, acabam por ser vários concertos isolados, porque também não há condições para se fazer uma verdadeira digressão. O que acontece é que, quando alguns desses concertos calham em datas mais próximas, o alinhamento dos temas mantém-se ou não sofre grandes alterações. Nem sequer são concertos planeados em conjunto, vão surgindo convites e, dentro da disponibilidade de todos, vamos aceitando os que se justificam ou quando pensamos ter condições para fazer algo bem feito. Por agora, estamos a tentar aproveitar essas oportunidades, visto que estivemos bastante tempo sem dar concertos, primeiro, para podermos acabar de escrever e gravar o álbum e, depois, para não tocarmos sem haver uma ideia de quando ele poderia estar editado. Não faria muito sentido darmos concertos sem essa edição e, relativamente pouco tempo depois, voltarmos a tocar nos mesmos locais, para o divulgar. Tendo em conta que o álbum já foi gravado há um ano, talvez seja altura de também pensarmos em começar a preparar o próximo, até porque isso não é coisa que se faça em apenas 2 ou 3 meses. Não tem havido oportunidade, porque acabamos por andar sempre todos um pouco ocupados com diversas coisas, mas já tenho algumas ideias em relação ao que gostaria de fazer e, também, alguns títulos e riffs em mente.

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