terça-feira, setembro 09, 2014

O tempo passa, a paixão fica...entrevista com Ricardo Ribeiro

Confesso que não sou grande adepto de revoluções tecnológicas, de eras digitais, de amizades e de espaços virtuais e, por consequência, de redes sociais. Gosto do lado físico, prático, funcional e palpável das coisas. Gosto de estar com as pessoas (mas estar a sério!), de mexer nos discos, de sentir o cheiro e a aura dos locais, de ter tempo e de usufruir do mesmo com as coisas simples da vida. Bem sei que a sociedade caminha precisamente no sentido oposto, mas os princípios é algo que a tecnologia não nos tira, que o mundo virtual não deve arrasar e ao qual devemos fazer um esforço para nos mantermos fiéis. No entanto, e apesar desta postura, não sou radical ao ponto de renegar por completo o que de positivo a tecnologia e a era virtual nos traz, sendo que algumas das grandes mais valias de estarmos "em rede" passa por termos acesso a opções muito mais vastas na hora de comprar discos e recolher informação sobre determinado assunto ou de nos cruzarmos com pessoas com gostos e ideias semelhantes. Geograficamente são 20 km que nos separam, mas foi no mundo virtual que travei conhecimento com o Ricardo Ribeiro. Conversa puxa conversa e dei-me conta da intensa paixão que este nutre pela música e pelos discos, da impressionante colecção de discos que orgulhosamente possui e apercebemo-nos que já nos havíamos cruzado há cerca de 15 anos, ainda através de carta e selo, quando cada um desenvolvia uma fanzine em papel. Motivos mais do que suficientes para lançar o repto ao Ricardo para figurar neste espaço. Eis o resultado.





Com 36 anos de idade, 20 dos quais rodeado de discos e alimentados por muita e boa música, o Ricardo Ribeiro começa por explicar que "inicialmente consumia quase na totalidade bandas dentro do universo black/death/doom metal, mas sempre acompanhei bandas de referência dentro doutros géneros, tais como Alice In Chains, Sisters Of Mercy, Joy Division, Bauhaus, Ministry, Tindersticks, Nick Cave, Fields Of The Nephilim, Christian Death, Mão Morta, Death In June, Current 93, Ordo Rosarius Equilibrium,  Faith No More, etc. Actualmente consumo muita coisa dentro do dark neofolk, dark ambient, dark military...e também  dentro do stonerdsludge/drone doom, post black metal, post punk/rock". 

No que ao seu primeiro disco diz respeito, o Ricardo opta por organizar a sua resposta de acordo com duas situações: a inconsciente e a consciente.  "Eu devia ter uns 7/8 anos e os meus pais compraram uma aparelhagem lá para casa", conta.  "Só que faltavam os discos e lembro-me perfeitamente de ter ido com uma prima minha um pouco mais velha a uma loja de eletrodomésticos que vendia alguns discos. Resultado foi vir de lá com a famosa colectânea Top Genius 85 e um ep de Elton John, o “Nikita”. O refrão de “Nikita” ainda mora na minha cabeça (risos). Já de forma consciente e livre, lembro-me de ter comprado com o dinheiro da mesada  na época em que foi editado o LP de Sepultura “Arise”." Já em relação ao último disco a ser adquirido, o Ricardo revela uma actividade assinalável, senão vejamos: "Nestas ultimas semanas, já recebi algumas coisas, tais como: Sektor 304 “engage...forwards” box(3 cds+ep+zine); Arnica” Lecho de peidra” cd; Arnica “Numancia” cd; compilação “Raiz iberica”cd; Linda Martini “Bau”cd; King Dude “fear”LP; Irae “Orgias da maldade” tape(caixa madeira); Skitliv/Current 93”split” Lp; A Dead Forest Index "Cast of lines” Lp; Mayhem “Psywar” ep , “Esoteric warfare”lp; Amenra “Mass v” lp+,“Afterlife” lp; Amenra/Treha Sektori”split”lp; Amenra/Aleanora”Split”lp; Beastmilk “White stains on black wax”ep, “use your deluge” ep. Mais a discografia em vinil de Hexvessel, cinco cds de Sangue Cavallum, entre outros". No entanto, como qualquer coleccionador e apaixonado por música que se preze, a colecção nunca está fechada e há sempre aquele disco que ambicionamos adquirir. No caso do Ricardo, "existem alguns que ainda não tenho em formato original ou que gostaria de ter em edições originais em vinil (first press),tais como: Sarcófago (todos), Carcass (os 2 primeiros), Merciless”The wakening”, Burzum “aske”, Gangrena “infected ideologies”, WC Noise ”Loud & mad”, Joy Division “unknow pleasures”, Amenra (mass I,II,III,IV), Father Murphy (todos); Mão Morta “Venus em chamas”, Celtic Frost “Morbid tales”, Samael “Worship him”, Spiritual Front/Ordo Rosarius Equilibrio “Satyriasis” , Tiamat “wildhoney”, Woodkid “The golden age”(digibook), 1 ep de uma trilogia de Fleurety , Mayhem “Dawn of the black hearts”, Possessed “seven churches” , Dead Can Dance “Aion” , In The Woods “Three times seven...” e muitos mais". 


Convidado a embarcar novamente na máquina do tempo, o Ricardo revela-nos que o seu primeiro contacto com a música de uma forma mais consciente deverá ter ocorrido por volta dos seus 9/10 anos. "Lembro-me de ter tido acesso a dois álbuns em cassete dos Black Sabbath “Sabbath bloody Sabbath” e “Paranoid” . Quando começou a rodar “War pigs” foi um momento magico. Não entendia bem o que era aquilo, mas já me dizia alguma coisa. Ainda tenho essas cassetes. Outro álbum que me marcou muito nessa época foi LP Iron Maiden “The number of the beast”.  Sabia cantarolar aquelas canções e intros todas", conta-nos. No entanto, como em quase todos os rumos que tomamos na vida, há sempre algo ou alguém que nos mostra o caminho, sendo que no caso do Ricardo terá sido um tio que o influenciou nestas coisas da música. "Ele na altura dos anos 80 trabalhava numa rádio pirata, onde tinha umas colunas viradas para a praia e passava musica e publicidade.  Ocupava os dias com ele a ouvir cenas tipo David Bowie, Dire Straits, Iron Maiden, Black Sabbath, Europe, Sigue Sigue Sputnik, Janis Joplin, Doors, AC/DC, ZZ Top, Sex Pistols, Depeche Mode, Billy Idol, etc... (muitos dos Lps ainda os guardo)". 

No entanto, ao longo das duas décadas que leva de música e discos, o ímpeto coleccionista do Ricardo abrandou durante alguns anos. "Em parte foi um bocado por falta de tempo, iniciei uma atividade profissional que me ocupava entre 12 a 14 horas, 7 dias por semana.  Emprego esse que, ao contrario do anterior, não me permitia ouvir musica. Desliguei-me um pouco, mas o bichinho acabou por ficar sempre", confessa. À margem de abrandamentos, tendências e prioridades, o Ricardo explica que  "vejo e sinto a musica quase da mesma forma do que há vinte anos. A minha paixão pela musica é a mesma, independentemente do estilo, se é moda ou não. Nunca me fechei num único estilo ou crucifiquei bandas apenas por ser mais conhecidas ou ter feito um álbum atípico, etc. Hoje em dia procuro cenas mais pela originalidade. Existem centenas de lançamentos, tipo “yeah, tá bom! Mas isto já foi feito há 20 anos atrás por outras bandas...”. Sinceramente, também não sei por que caminho é que as bandas possam evoluir mais a nível de criatividade.  Como estive um tempo afastado “da cena” ando um pouco perdido em relação a novas bandas/lançamentos  dos últimos 8/10 anos. Mas estou a tentar actualizar-me e tenho encontrado muita coisa boa". 

O preconceito e a incompreensão é algo que ronda por perto quem tem gostos ou posturas fora do que nos querem impor como convencional, sendo que, no caso da música e dos discos, já nos habituámos a lidar com isso. "Quem não encara a musica como uma paixão diz que sou maluco em  gastar dinheiro em discos(risos).  Fico triste quando alguém diz preferir ter musica em ficheiros do que em formato físico. Há pessoas que nunca irão saber qual é o prazer de ter um vinil na mão e pô-lo  a tocar. A sério, tenho uma estima tão grande por discos, que acho só mesmo numa situação extrema me desfazia deles. Faz-me tanta confusão como há pessoas capazes de desfazerem-se das suas coleções ou mesmo de um item.", desabafa Ricardo. 

Quanto a rituais, taras e manias de coleccionador, eis as do Ricardo.  "Se for em cd ou mesmo vinyl ( felizmente hoje em dia, grande parte deles já vem com código para download) normalmente passo para o PC, para depois ouvir no carro ou emprego.  Infelizmente hoje em dia tenho de ouvir quase tudo em ficheiros digitais, pelos motivos óbvios. Mas nada substitui uma audição em vinyl. Gosto muito e dou muito valor a um bom artwork.  Um booklet com letras, fotos, info...é sempre importante. Um álbum tem de contar por um todo. Normalmente a primeira audição, gosto de ir desfolhando o booklet  e acompanhando a letras e informação mais ao pormenor". Quanto a cuidados sobre conservação e arrumação dos discos, assume que "Não tenho nada de especial. Apenas mandei fazer um móvel tipo 5x3mt com gavetas forradas e à medida para cada formato (cds,lps,dvds). Móvel onde também tenho a aparelhagem, livros, revistas,fanzines,  etc.. Também ando a tentar por todos os discos em capas plásticas, para melhor proteção". Em matéria de organização, "actualmente, está um caos organizado.  Está tudo devidamente arrumado por formato, mas ando a ver se ganho coragem para colocar por ordem alfabética.  Tenho é tudo em listas, para saber o que tenho ou não tenho". Opção sensata, sem dúvida, até porque perante estes números será fácil perder o norte: "listados neste momento tenho: 1029 cds (originais e promos), 277 vinis (lps e eps), 274 demo-tapes e cerca de 300 cassetes com várias gravações". Quanto a preciosidades, "tenho algumas coisas pelas quais tenho um carinho especial, tipo items em vinil dos In The Woods…, Mayhem, Decayed, Filii Nigrantium Infernalium, Celtic Frost, Venom, Bathory, Ordo Rosarius Equilibrio, Rotting Christ, Fleurety, Moonspell, Death In June, Bethlehem, Katatonia, Marduk, Sabbat, Usurper, Chelsea Wolfe, King Dude, etc. Alguns já são considerados raridades".



Apesar dos números impressionantes, o Ricardo assume que não perde a cabeça na hora de adquirir discos a qualquer custo. "Comprei uma vez por impulso um DVD de Metallica por cerca de 40€, compra esta, pela qual me arrependi . Não por ser mau, mas não justificava o preço.  Não considerando apenas um disco, outro item mais dispendioso foi uma caixa em madeira “looking for europe” de 5 vinis . Custou cerca da 60€". Ainda assim, apesar de assumir que "não entro nesses “fanatismos” por bandas", revela ter "uma estima especial pelos Type o Negative, dos quais tenho todos os álbuns originais, 3 bootlegs, 1 maxi, 1 DVD. Assim como os álbuns de Carnivore e um  Lp de A Pale Horse Named Death". 

Ao não entrar em loucuras por um item específico, o Ricardo permite-se a adquirir uma quantidade assinalável de discos mensalmente. "Actualmente,  como ouço vários estilos, faz-me comprar mais itens. Em media compro 8/10 itens por mês. Como estive um tempo sem comprar grande coisa, este ano já me excedi um pouco. Tive que repor alguns álbuns que me faltavam". confessa. As fontes variam entre "mailorders nacionais e alguns directamente às bandas". E, por vezes, nessas demandas somos surpreendidos por oportunidades que nos empolgam. "Um dos últimos álbuns que comprei deixou-me muito contente. Foi o ultimo álbum de Nick Cave and The Bad Seeds “push the sky away”, edição limitada em digibook. Já andava atrás deste item há bastante tempo, pensei que já não iria encontrar. Apanhei-o por mero acaso num post de uma listagem do Facebook", conta-nos o Ricardo.

Vamos então à pergunta mais difícil, que é como quem diz a listinha de discos obrigatórios. Ora digam lá se o ecletismo e o bom gosto musical do Ricardo não merece uma vénia? "Tirando todos os clássicos que toda  gente conhece, há  outros álbuns que considero importantes ou que mais tenho ouvido ultimamente, tais como:  Neurosis “hounor found in decay”; Swans “The Seer”;  Tindersticks “Curtains”; Type O Negative “Bloody kisses”; Alice In Chains “Dirt”; Mayhem “De mysteriis Dom Sathanas “ ; Burzum “Filosofem”; In The Woods...”Heart of the ages”; Ruins Of Beverast “Blood vaults”; Chelsea Wolfe “Pain is beauty”; The National “High violet”; Spiritual Front “Open wounds”; Emperor “In the nightside eclipse”; Nine Inch Nails “the downward spiral"; Joy Division “Unknow pleasures”; Scott Walker “Bish bosh”; Teho T.& Blixa B.”Still smilling”;  Samael “Ceremonies of opposites” ; Nick Cave “push the sky away” e Amenra (todos os “mass”); Beastmilk “climax”; Crown “Psychurgy”; Holograms “s/t”; Father Murphy ”anyway your children...”, Ministry “psalm 69”; Fire+Ice “fractured man”; Death In June “nada!”; Of The Wand & The Moon “Live at the lodge”; GY!BE “Allelujah”;  Ordo Rosarius Equilibrio “song for hate&devotion”; My Dying Bride “Turn loose...” e muitos outros. Como se pode ver, uma lista bastante eclética (risos)". E se, numa situação extrema, o Ricardo tivesse de escolher um e apenas um disco da sua colecção? Qual seria o eleito? Porquê?  "Ui...,essa é complicada . Isso é quase como perguntar de que filho gostas mais (risos). Talvez o “Bloody kisses” dos Type O Negative. Foi um álbum que estranhei muito quando foi lançado e sinceramente ouvi uma vez e ficou lá para um canto bastante tempo. Quando voltei a pegar nele ficou entranhado até hoje . É um dos meus preferidos".



Mais homem dos discos do que propriamente daquilo que os reproduz, o Ricardo assume que "não me preocupo muito com o som ideal. Continuo com a mesma aparelhagem há 20 anos. Já comprei foi 3 pratos de discos. O meu sonho é ter um prato de discos decente a trabalhar a válvulas. Ouvir um bom disco em vinyl pode tornar-se numa experiência única. Há discos que exigem uma qualidade sonora decente, outros  definitivamente não". Em jeito de conclusão, quis saber de que forma o Ricardo encara esta paixão comum a tantos de nós, sendo que a resposta também granjeará sintonia: "É uma paixão que me continua a dar cabo da carteira (risos). A sério, hoje em dia continua a ser um prazer enorme pesquisar, comprar e depois receber discos em casa. Aquele momento mágico de abrir a encomenda e ter o item em mãos é único".


2 comentários:

Gonçalo Cunha disse...

Mais uma excelente entrevista, que tanto gozo me deu ler. Continuação de bom trabalho!

::ZyK:: disse...

Excelente leitura!